Os 28 vetos do presidente Marcelo

Há sete anos em Belém, Marcelo Rebelo de Sousa já usou o veto político 28 vezes, sendo o PR mais interventivo no que toca ao primeiro mandato. Mas Sampaio continua a ser o recordista em números globais.

O Presidente da República usou, na passada segundda-feira, o veto político pela 28.ª vez, devolvendo ao Parlamento, onde o PS tem maioria, o pacote legislativo Mais Habitação. De acordo com a Constituição, a Assembleia da República pode confirmar o voto por maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções e nesse caso Marcelo Rebelo de Sousa terá de promulgar o diploma no prazo de oito dias a contar da sua receção. É exatamente isso que os socialistas tencionam fazer, mas sem introduzir qualquer alteração ao documento.

O chefe de Estado justificou o veto com dois argumentos centrais: a «ausência de acordo de regime ou de mínimo consenso partidário» e o «possível irrealismo nos resultados projetados» quanto aos prazos, os meios e a máquina administrativa disponíveis, fazendo com que o diploma não seja «suficientemente credível quanto à sua execução a curto prazo».

Com esta decisão, Marcelo soma já 28 vetos no currículo desde que chegou a Belém a 9 de março de 2016: três vezes em 2016, duas em 2017, seis em 2018, cinco em 2019, seis em 2020, três em 2021 e três em 2023. Destes, seis incidiram sobre decretos do Governo e 22 sobre legislação da Assembleia da República, sendo que foi entre 2018 e 2020 que fez uso deste direito constitucional de forma mais intensiva. 

O último chumbo do Presidente aconteceu no final do mês de julho, com o veto ao diploma do Governo sobre a progressão na carreira dos professores e educadores de infância. Após terem sido realizadas alterações pelo Executivo, Marcelo promulgou a nova versão do diploma na passada segunda-feira, depois de já ter sinalizado que as alterações introduzidas provavelmente seriam suficientes para dar luz verde à lei sobre a contagem do tempo de serviço dos professores.

Eutanásia para trás

Também este ano, o chefe de Estado já tinha feito uso do veto, a 19 de abril, quando devolveu ao Parlamento o diploma sobre a despenalização da eutanásia, entretanto confirmado pela maioria parlamentar, obrigando à sua promulgação.

Marcelo enviou para o Tribunal Constitucional o primeiro decreto sobre esta matéria, em fevereiro de 2021, vetou o segundo, em novembro do mesmo ano, e enviou o terceiro também para fiscalização preventiva, em janeiro deste ano. Os dois envios para o Tribunal Constitucional levaram a vetos por inconstitucionalidade, não entrando para esta contabilização.

Depois da interrupção da legislatura em 2021 – por força do chumbo do Orçamento do Estado para 2022 -, o Governo assumiu funções apenas três meses depois da eleição já com a guerra da Ucrânia em curso e com um OE por aprovar, tendo só entrado mesmo em atividade em setembro, depois de gerir os problemas causados pelo conflito. Por essa razão, o ano de 2022 passou ileso aos vetos políticos.

Assim, antes do veto à lei da eutanásia em novembro de 2021, a última vez que o Presidente da República tinha exercido o veto político tinha sido a 24 de agosto desse ano, devolvendo ao Parlamento o decreto que alterava as regras de enquadramento do Programa de Apoio à Economia Local (PAEL), aprovado por PS, PCP e PEV.

Antes disso, o anterior veto tinha sido a 22 de abril de 2021, também a um diploma do Parlamento, sobre o recurso à procriação medicamente assistida (PMA) através da inseminação após a morte do dador.

Já em 2020, último ano do primeiro mandato, e em vésperas das eleições presidenciais, Marcelo Rebelo de Sousa acumulou seis vetos, entre os quais o chumbo às iniciativas dos deputados para reduzir o número de debates europeus e para aumentar o número de assinaturas necessárias para uma petição ser discutida em plenário (de quatro mil para dez mil). 

Em ano de pandemia, que se pautou pela cooperação entre Belém e São Bento, o Presidente da República também vetou a primeira alteração à lei do mar, isto é, a lei de bases da Política de Ordenamento e de Gestão do Espaço Marítimo Nacional, que tinha em vista dar mais autonomia às regiões autónomas. Marcelo vetou igualmente  as alterações à lei da nacionalidade – que permitem que filhos de imigrantes legais com autorização de residência, ou que fixaram residência há pelo menos um ano e nasceram em território nacional, possam ter nacionalidade portuguesa – por ter identificado «injustiças». Por fim, chumbou o alargamento do apoio aos sócios-gerentes no final de junho de 2020, argumentando que este violava a «lei-travão», uma vez que poderia envolver aumento de despesas previstas no Orçamento do Estado para 2020, dando espaço para os partidos negociarem a proposta ao abrigo do Orçamento Suplementar.

Em 2018 e 2019, o Presidente também usou o poder do veto por várias ocasiões, nomeadamente com o chumbo das polémicas leis da procriação medicamente assistida e sobre a autodeterminação da identidade de género e expressão de género. 

Logo a abrir o ano de 2018, vetou as alterações à lei do financiamento dos partidos políticos, mas acabou a promulgá-las,  reconhecendo que não estava em Belém para impor «pontos de vista minoritários» sobre esta matéria.

 

TVDE também receberam veto

Recorreu novamente ao veto aquando da lei que regularizava a Uber e outras plataformas de transporte individual, por considerar necessário um maior equilíbrio com os táxis. Mas meses depois deu luz verde à legislação, depois de terem sido efetuadas alterações. 

Também foi objeto  de chumbo presidencial a regulamentação sobre o lóbi devido a «três lacunas essenciais», em particular o facto de «não prever a sua aplicação ao Presidente da República». 

Marcelo  vetou  ainda o reconhecimento de interesse público da Escola Superior de Terapêuticas Não Convencionais, argumentando que «as ordens profissionais competentes não aprovam o ensino de terapêuticas não convencionais». No final de 2018, foi igualmente alvo de veto o diploma do Governo que mitigava os efeitos do congelamento ocorrido entre 2011 e 2017 na carreira docente, o que obrigou o Executivo a sentar-se à mesa das negociações com os sindicatos.

Em 2017, contaram-se apenas dois vetos, com destaque para aquele que recaiu sobre o diploma do Parlamento relativo aos termos da transferência da Carris para Câmara Municipal de Lisboa, tendo Marcelo argumentado que era excessivo vedar a possibilidade de concessão da Carris caso fosse essa a vontade da autarquia. Os deputados acordaram uma solução que ultrapassava o veto, ao permitir a possibilidade de haver alienação de capital ou de concessão da Carris, mas limitando-a a entidades públicas ou de capitais públicos.

 

GNR só da Academia Militar

Antes disso, Marcelo já tinha vetado o diploma que criava o novo Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana (GNR), considerando que a possibilidade de promoção ao posto de brigadeiro-general podia «criar problemas graves» à GNR e às Forças Armadas.

Dois dias depois do veto, o Conselho de Ministros alterou o novo estatuto da GNR, prevendo agora que naquela força apenas os coronéis com formação de base na Academia Militar possam ser promovidos a brigadeiro-general.

Já em 2016, o primeiro ano do seu mandato, a estreia dos vetos deu-se três meses depois de entrar em funções com a gestação de substituição (barrigas de aluguer). O direito de alguém poder revogar o seu consentimento até ao momento do parto foi uma das razões invocadas por Marcelo para justificar o seu veto. Esta é uma matéria que ainda hoje está por regulamentar, apesar de a lei para a gestação de substituição em Portugal ter sido aprovada a 16 de dezembro de 2021, após sucessivos chumbos do Tribunal Constitucional.

Marcelo utilizou pela segunda vez o veto político, devolvendo à Assembleia da República as alterações aos estatutos da STCP e Metro do Porto, por se «vedar, taxativamente, qualquer participação de entidades privadas» nas duas empresas de transportes. Na altura, o chefe de Estado apontou uma intervenção «excessiva» da Assembleia da República «num espaço concreto da administração pública, em particular do poder local».

O PS voltou a insistir na lei, mas expurgando o diploma das propostas que Marcelo tinha vetado, obrigando à promulgação do novo texto em outubro de 2016.

 Seguiu-se o veto a um diploma do Governo que permitia a troca automática de informação financeira sobre depósitos bancários superiores a 50 mil euros, tendo Marcelo invocado como principal argumento a «situação particularmente grave vivida pela banca».

Em maio de 2018, o Governo viria a retomar a sua proposta exatamente nos mesmos termos por estarem «ultrapassadas as circunstâncias conjunturais» que justificaram o veto do diploma  anteriormente. 

 

Em números globais, Sampaio é campeão dos vetos

Em suma, Marcelo Rebelo de Sousa tem sido um Presidente da República mais interventivo, somando 28 vetos num período de sete anos, o que compara com os 25 vetos de Cavaco Silva durante dez anos (dois mandatos).

Mas o atual chefe do Estado não é detentor do recorde absoluto. Esse lugar pertence ao antigo Presidente da República Jorge Sampaio que usou o veto político 75 vezes, ao longo dos seus 10 anos em Belém, em especial durante o seu segundo mandato.

Ao longo de uma década, Sampaio mais que duplicou o número de chumbos a diplomas do Governo ou da Assembleia da República relativamente ao seu antecessor no cargo: Mário Soares usou o veto político 37 vezes de 1986 a 1996.

No seu primeiro mandato (1996-2001), Jorge Sampaio vetou ao todo 12 diplomas. Mário Soares fê-lo menos vezes de 1986 a 1991, vetando apenas sete. Nos cinco anos seguintes, Sampaio devolveu 63 diplomas, enquanto que Soares vetou 30, de 1991 a 1996.

Contudo, no que se refere apenas ao primeiro mandato, Marcelo surge em primeiro lugar no pódio com um total de 23 vetos. O segundo lugar pertence a Cavaco Silva que vetou 13 diplomas nos primeiros cinco anos no cargo, apenas mais um que Jorge Sampaio.