Os novos santuários do terrorismo Jihadista global estão à porta da Europa

Os múltiplos e graves acontecimentos ocorridos ao longo dos últimos anos em toda a região do Sahel poderão configurar um cenário de uma real ameaça, desde logo para a Europa, a partir da sua fronteira sul, mas, também, para o resto do planeta, o que exige uma pronta reacção por parte dos líderes mundiais na…

Por João Henriques

Do conjunto de ameaças à segurança interna da União Europeia, é inevitável abordar a situação a que a fronteira sul do território passou a estar exposta, tendo em consideração o preocupante aumento da actividade terrorista proveniente do continente africano, muito em particular da região do Sahel, protagonizada por organizações jihadistas salafistas globais, como são os casos da Al Qaeda e do autoproclamado Estado Islâmico (DAESH), e dos grupos afiliados. A situação agravou-se em particular a partir de 2019, como resultado da derrota formal do DAESH nos territórios sírio e iraquiano por força da intervenção da coligação internacional. Neste contexto, o continente africano surgiu como alternativa à expansão das organizações jihadistas, que claramente têm beneficiado dos inúmeros conflitos regionais ou das disputas religiosas e étnicas em curso e do consequente enfraquecimento das suas lideranças e instituições, criando indesejáveis condições para o surgimento de Estados falhados, verdadeiramente potenciadores de santuários terroristas.

 

Em consequência dos acontecimentos mais recentes ocorridos, muito em particular, na vasta região do Sahel, a segurança da Europa e da sua população passou a estar cada vez mais exposta à instabilidade que grassa naqueles territórios. Mais do que nunca, a defesa das suas fronteiras passou a ser uma prioridade para a qual as lideranças europeias deverão apontar as suas prioridades.

 

Ao longo dos dois últimos anos, algumas das filiais mais violentas do DAESH têm-se expandido e consolidado a sua presença, sobretudo no Mali, no Burquina Faso e no Níger, e também para sul, até ao Golfo da Guiné. Para os jihadistas, surge, agora, e pela primeira vez, um novo alvo na sua “guerra santa”: as ilhas Canárias, que, segundo os seus canais de propaganda, mais não são de que as “ilhas de Al Andalus” (Vozpópuli, 21 de Agosto de 2023), com a retórica de sempre: “a reconquista dos [seus] territórios e a morte de todos os infiéis”. Este cenário, já de si dramático, tem vindo a agravar-se com os mais recentes golpes de Estado registados no continente africano, de que é exemplo a tomada de poder pela força das armas, de 26 de Julho, no Níger. 

 

Os conflitos armados, as epidemias, a fome, as catástrofes naturais, o terrorismo e outras emergências graves, muitas vezes numa combinação de elementos naturais e humanos, são factores que inevitavelmente configuram uma ameaça que envolve tragicamente a população civil. É nestes contextos, agravados por lideranças repressivas e pela limitação de oportunidades de natureza económica, que é criada uma atmosfera fortemente favorável à difusão da retórica jihadista salafista, levando a que a presença do DAESH e da Al Qaeda, directamente ou através de grupos afiliados, seja marcada por uma crescente actividade terrorista, mais mortífera do que em anos anteriores. No caso da Al Qaeda, com a declaração formal de uma nova liderança – Seif al-Adel -, em consequência da morte de Ayman al-Zawahiri, a organização alargou as suas filiais do Levante a África, passando pelo Sul da Ásia, com a particularidade de, na actualidade, agirem com bastante autonomia relativamente à organização central (Nation World News Desk, 2 de Janeiro de 2023).

 

Do ponto de vista da sua influência territorial, a filial da Al Qaeda no Iémen, conhecida como Al Qaeda na Península Arábica (AQAP) continua a ser a mais perigosa e em melhores condições de atacar o Ocidente. Igualmente preocupante é a acção da sua filial na Somália, conhecida como Al-Shabaab, que tem apoiado financeiramente a liderança central da Al Qaeda, e que desde há muito tempo tem manifestado o firme propósito de atacar alvos norte-americanos e ocidentais em África e noutros territórios, o que levanta a questão de uma nova dinâmica global protagonizada pela Organização.

 

A par da Al Qaeda, outros grupos terroristas, com destaque para as filiais do DAESH, o seu principal concorrente pela hegemonia do jihadismo salafista global, têm vindo a progredir muito rapidamente na região do Sahel e nos países da costa atlântica do continente africano. Com a diminuição da presença de forças ocidentais nestes territórios, a situação agrava-se, podendo mesmo criar condições favoráveis a acções terroristas fora do continente africano (Voice of America, 29 de Dezembro de 2022).

 

De acordo com os dados do Índice Global de Terrorismo (GTI 2023), 48 por cento das mortes resultantes de ataques terroristas a nível mundial ocorreram na África Subsariana, sendo a região do Sahel a que mais sofre com o que é considerado como o crescimento mais rápido e mortífero do mundo. O DAESH é responsável pelo maior número de baixas registadas em grande parte da África, do Médio Oriente e da Ásia Central. A organização é secundada pelo Al-Shabaab, na Somália, pelos Talibãs, no Afeganistão, e pela coligação Jama’at Nasr al-Islam wal Muslimin (JNIM), conjunto de grupos filiados na Al Qaeda.

 

No Sahel e na Somália, a violência jihadista representou 77 por cento do total dos acontecimentos relatados em toda a África, ao longo de 2022. Em particular no Burquina Faso, no Mali e no Níger ocidental foi registada a maior escalada de eventos violentos ligados ao terrorismo islamista, saldando-se no dobro das mortes provocadas, desde 2020. Em todos os países onde a violência jihadista tem sido registada – com excepção da Nigéria – a tendência é ascendente em comparação com Dezembro de 2022, onde os grupos terroristas têm beneficiado claramente da incapacidade das autoridades em lidar com a situação. No Mali, foram registados 36 ataques, dos quais 80 por cento atribuídos à coligação Jamaat Nasr al Islam Wal Muslimeen. No Níger, após o golpe de Estado de 26 de Julho, a tendência é novamente de subida, depois do abrandamento verificado em Dezembro, último. No Níger, um mês após a tomada de poder pela Junta militar, os grupos jihadistas intensificam os seus ataques, aproveitando a instabilidade reinante no país, nomeadamente na chamada Zona das Três Fronteiras, entre o Níger, o Burquina Faso e o Mali (DEUTSCHE WELLE, 22 de Agosto de 2023).

 

Os múltiplos e graves acontecimentos ocorridos ao longo dos últimos anos em toda a região do Sahel poderão configurar um cenário de uma real ameaça, desde logo para a Europa, a partir da sua fronteira sul, mas, também, para o resto do planeta, o que exige uma pronta reacção por parte dos líderes mundiais na busca de parcerias que promovam a estabilidade e a segurança a partir de ambas as margens do Mediterrâneo, onde, segundo a análise do International Crisis Group, se concentrarão ao longo dos próximos tempos alguns dos mais graves conflitos a nível mundial.

 

O sentimento de profunda preocupação manifestado pela Comunidade Internacional face à rápida e crescente proliferação do terrorismo no Sahel Ocidental e a sua expansão até aos países do Golfo da Guiné, é, agora, agravado pela revelação de novos santuários do jihadismo salafista global.

 

Os santuários jihadistas sempre desempenharam um papel importante nas actividades dos grupos e das organizações terroristas, constituindo territórios onde os actores não-estatais violentos se abrigam longe dos olhares e do controlo das autoridades, de modo a planearem as suas acções. São, na verdade, “territórios operacionais seguros onde um grupo é capaz de manter uma estrutura que pode apoiar as suas actividades subversivas” (Innes, 2007).

 

A retirada das forças internacionais do Afeganistão, a partir de Agosto de 2021, entendida pela Al Qaeda como uma significativa vitória da jihad global, tem vindo a permitir à organização terrorista uma renovada margem operacional reforçada pela presença de estruturas suas afiliadas em grande parte do continente africano. Aos “velhos” santuários do terrorismo jihadista existentes no continente asiático, juntam-se, agora, os do continente africano, expandindo, assim, o Movimento Salafista Universal. Contrariamente às análises mais optimistas, o grande falhanço ocidental no Afeganistão parece, pois, estar a dar um novo alento na caminhada do terrorismo jihadista rumo ao chamado Califado Universal.

 

Mesmo às portas da Europa, o Sahel, com o maior registo de ataques e vítimas do terrorismo a nível global, é objectivamente o actual epicentro da actividade do terrorismo jihadista universal, sendo a região que se configura como a mais séria ameaça à segurança e aos mais elevados valores civilizacionais. Esta proximidade geográfica obrigará, assim, as lideranças do Velho Continente e as organizações representativas dos Estados africanos a um forte envolvimento na gestão dos recorrentes conflitos em África, o que passará, inevitavelmente, pelo apoio à implementação de profundas medidas estruturais que conduzam a um inequívoco bem-estar das populações e à eliminação de todos os factores que promovem o terrorismo, a criminalidade organizada e a corrupção.

 

 

Investigador Associado do Observatório de Relações Exteriores (OBSERVARE)/Universidade Autónoma de Lisboa

Vice-Presidente do Observatório do Mundo Islâmico

Auditor de Defesa Nacional pelo Institut des Hautes Études de Défense Nationale (IHEDN), de Paris