Tropa: imigrantes ficam à porta

Militares ouvidos pelo Nascer do SOL são contra a entrada de imigrantes nas Forças Armadas, pois isso representaria a chegada de mercenárias na tropa portuguesa. E alguns dão um exemplo prático: no caso de uma intervenção no país de origem desse imigrantes, por quem lutariam? 

Era uma crónica anunciada, mas de tempos a tempos, a polémica volta, deixando muitos militares à beira de um ataque de nervos. A possibilidade de imigrantes integrarem as Forças Armadas agrada tanto aos militares como a Marcelo Rebelo de Sousa estar um dia calado em Monte Gordo ou em Kiev.

Já se percebeu que o problema é dos índios, pois chefes há em número mais do que suficiente, e como o ordenado mínimo e as obrigações militares não atraem jovens, a solução encontrada pelo deputado Francisco César, do PS, foi voltar a colocar em cima da mesa a possibilidade de recrutar jovens soldados entre a comunidade imigrante que está em Portugal, sendo para isso necessário uma revisão Constitucional, mas já lá vamos.

Comecemos por um dos capitães de Abril, Vasco Lourenço. «Estrangeiros a combaterem nas Forças Armadas? Mas nós estamos em alguma guerra? Não! Sou absolutamente contra essa ideia estapafúrdia de irmos buscar militares para as nossas Forças Armadas. As Forças Armadas são uma instituição nacional, uma das principais, que deve ser prestigiada pelo país e não ‘mascavada’ com a inclusão de mercenários!», dispara o tenente-coronel na reserva.

Mas o que está verdadeiramente em jogo? Como já se viu, nos últimos anos as Forças Armadas têm perdido praças, que preferem ir para outras profissões, como a de segurança, para a PSP ou GNR, entre tantas outras. Como Portugal tem acordos internacionais, precisa de praças para cumprir com as suas obrigações, seja na República Centro-Africana, na Roménia ou noutras latitudes, dá a urgência de se resolver o problema. Então quais as razões para se ser tão contra a inclusão de imigrantes? Enquanto uns gostam de explicar mais filosoficamente a questão, como é o caso do coronel Mendes Dias, outros fazem uma leitura mais direta.

No fundo, dizem, imaginemos que as Forças armadas portuguesas tinham de entrar numa missão em que o país em questão era o dos imigrantes integrados na tropa portuguesa. Quem defenderia? A bandeira que ostenta na farda ou a do país onde nasceu e cresceu?

«Por alguma razão a Constituição, no seu artigo 275, diz claramente que as Forças Armadas compõem-se exclusivamente de cidadãos portugueses», começa por dizer Mendes Dias. «Falemos na possibilidade do ónus do emprego da violência militar, e porque é que estas pessoas dão o sangue e a vida, se for casos disso, por uma coisa que é de natureza intangível? O laço que une diferentes aglomerados humanos, que nós às vezes transpomos em expressões como nação, que é a terra dos nascido, terra dos néscios, e pátrias, terra dos pais, este laço resulta, digamos, de uma consequência quase sinérgica entre matérias de geografia e matérias de História», que é como quem diz, há uma identificação à história e vida do país, algo que com imigrantes, supostamente, poderá não acontecer.

O agora comentador televisivo, que também é contra a entrada de imigrantes nas Forças Armadas, explica que a um soldado português é exigido, em casos extremos, que «a sua alma se liberte da matéria, e seja tão forte que vença associações do tipo religioso, étnico ou rácico. E é por isso que este apego e este sentimento de fidelidade ao Estado tem de ser garantido. Este vínculo ao Estado é praticamente garantido desde a nascença».

Aumentar uns implica aumentar todos

Para o major-general Carlos Chaves, o problema não se resolve só com o aumento da remuneração dos praças, pois isso iria implicar um aumento em cadeia de todos os postos militares. «Quando se dá melhores condições aos praças, tem que se dar melhores condições aos outros. O que é um salário razoável para um militar? Depende das situações em que ele está, onde faz serviço, o que é que ele faz, o que não faz, etc. É um problema complexo que tem que ser estudado, aliás, estudado está ele há muito tempo. Mas depois aumenta-se o ordenado dos soldados, sargentos, dos oficiais e neste momento mexer na grelha salarial sem cuidado pode provocar uma catástrofe, em termos de dispêndio económico, porque a situação económica do país não é tão boa como a pintam».

Desejando que o recurso a imigrantes não se venha a concretizar, Carlos Chaves avança com números: «Estamos neste momento com um efetivo em praças, que o problema põe-se fundamentalmente ao nível dos praças, que está abaixo dos 50% do efetivo autorizado, que até é um bocadinho menor que o efetivo planeado, e previsto no programa Defesa 20/20, com o Governo de Passos, em que prevíamos que as Forças Armadas tivessem no seu conjunto 32.000 homens. Na altura tínhamos mais do que 32.000 homens, e neste momento andamos nos 24.000. Desses, à volta de 10.000 são praças. Mais uma vez chegámos a uma pirâmide invertida e àquele número chocante de termos 1,7 graduados para uma praça. Não é possível subsistir com estes números. Não é possível cumprir as missões com estes números. Só aquelas que a gente já tem agora é extremamente difícil. Há aí quartéis que estão com 100 praças», dispara.

Para o major-general, o modelo para ultrapassar o problema foi aquele que «foi estudado e implementada nos anos 90, que era um serviço militar misto, em que toda a gente, homens e mulheres, faziam um Serviço Militar Obrigatório (SMO) curto, de dois meses, aí experimentavam, eram conhecidos pela estrutura, os que se quisessem voluntariar eram voluntários por um ano. Ao fim de um ano, tornavam-se profissionais. Esse SMO curto servia para saberem se queriam ser militares e para os militares saberem se aquele rapaz ou rapariga têm condições para serem militares».

Chaves indigna-se com as novas admissões nas FA. «É grave admitirem-se soldados com metro e meio. Vamos ter um exército de metro e meio? Ou é para a gente não bater com as cabeças nas trincheiras?».

Racismo ao contrário

Para o tenente-coronel Pedro Marquês de Sousa, a inclusão de imigrantes levantaria uma questão complicada de se resolver. «Como sabemos, as FA são organizadas, em termos hierárquicos, em três níveis: os oficiais, os sargentos (quadros intermédios) e as praças. A questão entre nós não se coloca entre sargentos e oficiais, porque aí, ainda agora está aberto o concurso da Academia Militar e há muitos jovens a concorrerem para os quadros. Para praças sim: soldados, postos de base. E, aí, uma solução dessas iria trazer, a curto prazo, um estigma que é ter dentro das FA os soldados, digamos, pessoas que não nasceram cá e até com uma cor da pele predominante diferente das dos outros sargentos e oficiais. Isto é uma coisa de evitar. Aí é que, provavelmente, teríamos depois reflexões em torno de uma sociedade racista, que tem nas FA aquelas pessoas só nos postos mais baixos. A fazer as funções de execução, de combate, enquanto as de chefia e direção seriam reservadas para os portugueses europeus brancos».

Marquês de Sousa recorda-se dos seus tempos em que dava recrutas e que chegou a ter problemas com um soldado português muçulmano por causa da comida: «Não queira saber o problema que foi até com a alimentação. A alimentação do exército normal é igual para todos, não há escolhas. Porque, depois, a vida militar não se coaduna com ‘então agora escolha lá aquilo que quer’. Não há hipótese. E outras questões como hábitos de higiene», esclarece o antigo aspirante. 

Como é fácil de perceber, o caminho que os imigrantes terão que percorrer até chegarem às Forças Armadas portuguesas não será fácil. Já se sabe que o Presidente da República em tempos defendeu a sua integração, que a ministra da Defesa disse ao Expresso que essa medida não deve «ser equacionada» e que a mesma «mexe com a cultura» dos militares. 

E o que pensam os praças? «Estamos totalmente contra esta questão de arregimentar cidadãos de outras nacionalidades para as Forças Armadas Portuguesas. Isto porquê? Primeiro, porque isso obrigaria sempre a uma alteração da Constituição da República. Depois, nós consideramos que, não sendo esse o principal problema, significa que nós estaríamos a contratar ‘mercenários’ para as Forças Armadas Portuguesas. Repare: quando os portugueses entram nas Forças Armadas, fazem um juramento de bandeira e juram morrer pela pátria, se necessário. Dar a própria vida pela pátria. Nós não estamos a verificar e não consideramos que um cidadão, seja ele de que nacionalidade for, faça um juramento deste calibre», diz Paulo Amaral, presidente da Associação de Praças, ao Nascer do SOL. 

O que está aqui em causa é o seguinte: «Enquanto a senhora ministra da Defesa Nacional, enquanto o Governo não quiser resolver a questão das carreiras, principalmente na base das praças, e não quiser resolver a questão da tabela salarial, nomeadamente a tabela salarial das praças, nós nunca vamos conseguir recrutar e reter os homens e mulheres necessários para o desempenho das nossas funções e missões. Este é o principal problema». 

«Não me venham cá com histórias de que agora baixámos a altura mínima para entrar nas Forças Armadas – que passou a ser 1,54 metros -, não me venham com histórias de que daqui a uns tempos podemos entrar com uma meia cor-de-rosa e outra meia azul… Isso não vai resolver nenhum assunto», conclui Paulo Amaral.

Terminando com algum humor, voltemos a Vasco Lourenço. «Nós na tropa tínhamos uma expressão que era: ‘Essa não lembra ao careca!’. É um bocadinho o que eu diria. Mas lembra a alguns… Há sempre iluminados que acabam por ter ideias que, enfim… Dizem que é a modernidade. Para mim não há modernidade dessas!». 

 *Com Sara Porto