Um caso perdido

Hoje, sente-se que a autarca da Ponta do Sol tem uma ambição do tamanho de um arquipélago e faz a vida negra a quem diz apoiar.

por Carlos Encarnação

O Dr. António Costa não perde tempo. Veio há algum tempo à Madeira e percebeu claramente qual era a situação.

E por isso fez aquela declaração de amor incompreendido que todos citam: «A Madeira não gosta do Partido Socialista, mas os socialistas gostam da Madeira».

Nada a fazer, incompatibilidade de géneros.

‘Si non e vero e bene trovato’.

Porquê? Perguntar-se-á.

E, principalmente, porquê há tanto tempo.

A Madeira tem visto um longo cortejo de líderes socialistas arrumados na prateleira depois de cada eleição regional.

Dizem os daqui, socialistas e não socialistas, que nunca tiveram a dita de acertar na personalidade indicada.

Admitem que na competição com Alberto João Jardim nunca ninguém teve verdadeiramente uma oportunidade.

E que ele deixou como legado; a transformação da Região e a imagem da honestidade de quem se não aproveitou do poder para o seu enriquecimento.

E o certo é que os vários líderes nacionais do PS se não cansaram de aqui vir, de participar em jantares e festas e de animar as hostes.

O problema é que uma questão regional não se ultrapassa com uma afirmação nacional.

O PS nunca soube colocar-se e entender a Madeira.

Era sempre gente de fora que vinha dar uma ajudinha.

Ora a Madeira tem uma história rica, recheada de responsabilidade histórica, de coragem em afrontar o isolamento, de transformar as terras difíceis e as penedias em áreas de cultivo, de aproveitar a água e construir sistemas de irrigação, de inovar nas culturas e exportá-las.

Quem assumia, em primeira linha, a garantia da defesa e do auxílio às praças fortes do Norte de África era a Madeira.

Quem experimentava e desenvolvia as culturas da cana de açúcar, da banana, do vinho, era a Madeira.

Quem despertou as atenções e a gula dos ingleses pela riqueza possível foi a Madeira.

E viu-se transformada em terra próspera onde as fortunas se faziam e onde estrangeiros e portugueses prosperaram e a tornaram porto principal para as trocas e o comércio.

E, mesmo durante as ameaças de conquista em África e no Brasil dos holandeses, ali estavam os colonos madeirenses, transformados em soldados, a lutar e a vencer.

No interim, os ingleses descobriram a forma de potenciar produtos e o comércio e os proventos.

Constituíram-se em classe à parte com as suas quintas e os seus hábitos particulares, promoveram a desigualdade, mas ensinaram os locais a inventar valor, a comerciar, a usar o dinheiro e o crédito, a aperfeiçoar artífices.

Depois, vieram os dias negros das fomes e da miséria durante os quais se lançaram ao desconhecido para sobreviver.

E chegaram os tempos do poder ditatorial e centralista que tratava a Madeira com pesporrência e desconfiança.

Tudo isto preenche a história desta região e a fortalece.

Em cada um deles vive aquela estranha e singular contradição expressa na pergunta da empregada quando a menina casadoira lhe apresentou o noivo.

‘Mas ele é português?’

Forma curiosa de perguntar se ele era madeirense, porque o madeirense é o português de eleição.

Assim sendo, o Partido Socialista vive à margem da realidade, não a compreende.

E soma golpes e contragolpes, tricas partidárias e incapacidades, invejas e deslumbramentos.

Hoje, sente-se que a autarca da Ponta do Sol tem uma ambição do tamanho de um arquipélago e faz a vida negra a quem diz apoiar.

Mas hoje, o Partido Socialista deu uma prova de inteligência. Enviou como seu representante à grande festa socialista a maior nulidade que o país tem presenciado.

Fez bem.

Poupou-se.

Esta história, para si, nunca poderá acabar bem.