Erdogan não convence Putin

O Presidente russo e o seu homólogo turco reuniram-se em Sochi para discutir o acordo dos cereais, mas Putin mostrou-se intransigente. Ainda assim, Erdogan não saiu completamente derrotado do encontro.

por Gonçalo Nabeiro
Texto editado por José Cabrita Saraiva

O Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, reuniu-se na segunda-feira, dia 4, com o seu homólogo russo Vladimir Putin, em Sochi. Num dos poucos encontros do Presidente russo com um Chefe de Estado de um território da NATO, o tema principal foi a Iniciativa dos Cereais do Mar Negro, acordo que permitia a livre exportação de cereais e outros produtos alimentares ucranianos e russos, suspenso pelo Kremlin no mês de julho.

Erdogan, desde o início do conflito na Ucrânia, assumiu um papel importante de mediação. Sendo um Estado com capacidade de estabelecer negociações tanto com os países ocidentais como com a Rússia, a Turquia, em conjunto com a ONU, foi o intermediário da Iniciativa dos Cereais do Mar Negro, a única conquista diplomática desde o início da guerra. O acordo que, até ser suspenso, permitiu o escoamento de cereais dos dois maiores exportadores do mundo e facilitou a chegada dos produtos aos mercados internacionais, foi assinado em solo turco em julho de 2022.

Após os russos terem quebrado unilateralmente o acordo ao fim de um ano, as preocupações por parte de organizações internacionais, como as Nações Unidas e o Programa Alimentar Mundial, aumentaram, alertando que o seu fim significaria uma crise alimentar, principalmente nos países com maiores índices de insegurança alimentar, em África e no Médio Oriente. Já o Kremlin acusou o Ocidente de aproveitar o acordo para importar mais cereais ucranianos e garantiu o fornecimento sem custos para países necessitados.

 

Intransigência russa

Moscovo frisou a dificuldade de exportação dos produtos russos durante o acordo, principalmente fertilizantes, e fez um série de exigências ao Ocidente para voltar à Iniciativa: o regresso do Banco Agrícola da Rússia ao sistema internacional de pagamentos SWIFT, a agilização de acordos com seguradoras marítimas e descongelamento de ativos. Havia esperança na capacidade de Erdogan em convencer o seu amigo (como o próprio assumiu), mas o resultado não foi o que o Presidente turco, o Ocidente e a Ucrânia desejavam. Ainda assim, a Turquia não sai totalmente derrotada desta reunião, já que cimenta a sua posição de principal mediador internacional e assume-se como potência regional.

Putin, ainda que não tenha negado a possibilidade de voltar ao acordo, manteve-se intransigente e decidiu não reatar o contrato na segunda-feira, alegando que o Ocidente precisará de cumprir as suas exigências. Desde a saída russa, ataques constantes aos portos ucranianos têm sido registados. Durante a manhã de segunda-feira, quando os dois presidentes se encontraram, a Rússia atacou portos na costa ucraniana. «Se Putin fosse de boa-fé para este encontro não teria atacado os portos ucranianos esta manhã», disse o major-general Isidro Morais Pereira à CNN no dia 4. Mortes, destruição de alimentos e de infraestruturas têm sido a consequência.

Continua assim o impasse no Mar Negro, que tem vindo a provocar a subida de preços nos produtos alimentares e que contribui para a escalada do conflito. O único triunfo diplomático caiu ao fim de um ano, e ainda que se possa reerguer, as previsões apontam que não será em breve.