Lei da Amnistia é ‘claramente abusiva’

AEP diz que, em relação às infrações disciplinares praticadas nas empresas, a lei ‘invade a esfera vedada à atuação do Estado’.

A vinda do Papa a Portugal acarretou, como é da tradição, uma lei de amnistia. Cujo âmbito de aplicação se estende a todos os processos disciplinares, de empresas públicas ou privadas, desde que a sanção não seja superior a uma expulsão, como frisou ao Nascer do SOL Ana Pereira Sousa da Ordem dos Advogados. E isso vai apagar milhares de processos. «A amnistia é um ato de clemência que apaga tudo o que está para trás. Tem efeitos retroativos. É como se pegasse numa esponja e apagasse o percurso. Ou seja, é como se nada tivesse existido», salienta.

Confrontado com esta situação, o presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), Luís Miguel Ribeiro, diz ao nosso jornal que «a amnistia, nos termos em que está formulada, mormente no que toca às infrações disciplinares praticadas no âmbito da empresa, é claramente abusiva e invade a esfera vedada à atuação do Estado».

E, perante as consequências que poderá ter, não hesita: «Leva, desnecessariamente, a um crespar do relacionamento laboral, que seria perfeitamente evitável, sob todos os pontos de vista, atentas as dificuldades que a área laboral atravessa, e que como se tem visto têm tendência para se agravar: Basta olhar para o aumento das insolvências e as inevitáveis consequências que daí decorrem para as empresas e seus trabalhadores».

O dirigente associativo admite também que esta questão já está a causar franca controvérsia e um descontentamento nas empresas e nos empresários, «que não entendem esta intromissão numa matéria de natureza privada», defendendo ainda que «coisa diferente seria se o legislador se tivesse mantido, como deveria, no âmbito do estrito ilícito criminal».

 A AEP aponta o dedo ao legislador, considerando que «foi longe demais no seu ímpeto regulador e, por esse motivo, manifesta-se frontalmente contra esta medida», lembrando que «uma coisa são as infrações praticadas contra a ‘sociedade’ (penais e contraordenacionais), e aí, sim, o legislador, enquanto representante legítimo dos ‘cidadãos’ e guardião da segurança pública, tem toda a legitimidade para amnistiar e perdoar infrações e penas; outra coisa são infrações a deveres laborais praticados no âmbito estritamente privado onde o Estado não tem qualquer legitimidade para intervir».

Luís Miguel Ribeiro diz haver uma intromissão num dos aspetos mais sensíveis da gestão das empresas, que é o exercício legítimo do poder disciplinar. «Mais do que um poder, o exercício do poder disciplinar é um poder/dever que tem consequências ao nível da responsabilização civil do empregador. Relembra-se que o empregador, em matéria de responsabilidade civil subjetiva indireta, não consegue afastar-se de si, caso não prove que exerceu o ‘dever de vigilância’ (culpa in vigilando) que no direito laboral só se consegue com a prova do exercício do poder disciplinar. Portanto, é uma matéria muito sensível para as empresas, onde exemplos como o desta lei funcionam como descredibilização dos empregadores diligentes».

Esta amnistia aplica-se ainda a outras áreas, nomeadamente médicos, juízes, forças de seguranças, entre outros, como recorda Ana Pereira Sousa. «Tendencialmente, desde que não haja crime, estão todos os processos abrangidos, no entanto, é preciso ver caso a caso. Só se aplica a uma infração disciplinar cometida até 19 de junho de 2023. Imagine um agente da PSP que cometa apenas uma infração disciplinar e que não tenha uma pena expulsiva então está abrangido e é como nada se tivesse passado».