João Neves, antigo secretário de Estado da Economia, esteve em reuniões do IPCEI (sigla em inglês para ‘Projetos Importantes de Interesse Comum Europeu’) relativo às baterias como representante de interesses privados. O encontro realizou-se na manhã do dia 5 de setembro, no auditório do Turismo de Portugal, em Lisboa. Questionado pelo Nascer do SOL, o ex-governante não prestou qualquer tipo de esclarecimento, mas o nosso jornal sabe que a sua presença criou evidente mal estar junto de vários participantes – entre representantes de empresas privadas e da administração pública –, uma vez que João Neves foi um dos responsáveis pela atribuição das verbas do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR), nomeadamente no que diz respeito ao tecido empresarial.
Sem responder ao Nascer do SOL, João Neves já tinha confirmado, no entanto, esta semana ao Jornal de Negócios, que fora contratado pela Clearwater International para conselheiro sénior da equipa portuguesa da consultora britânica, que é liderada pelo antigo deputado socialista José Lemos.
Ao mesmo jornal, admitiu tratar-se de uma «nova fase» da sua vida, fora da atividade pública, referindo ser um «desafio ligado à atividade económica, tentando ajudar a que as nossas empresas sejam mais fortes e competitivas». «Este é um desafio muito interessante para quem tem o meu percurso profissional», acrescentou.
Em março, o Ministério da Economia e a Secretaria de Estado da Energia e Clima lançaram um convite formal às empresas portuguesas para manifestarem o seu interesse numa eventual participação num consórcio europeu para desenvolver a cadeia de valor das baterias. Estas reuniões têm sido feitas, a título individual, entre empresas alemãs e portuguesas.
Da atribuição da ‘bazuca’ à defesa de beneficiários
João Neves era secretário de Estado de Pedro Siza Vieira na altura em o Ministério da Economia assumiu a pasta de distribuição do PRR com uma dotação total de 16,6 mil milhões de euros (13,9 mil milhões de euros de subvenções e 2,7 mil milhões de empréstimos).
À data, o ministro da Economia chegou a referir que Portugal é, «entre os países da União Europeia, o que tem maior proporção de apoios às empresas e o único que tem um apoio à capitalização e ao investimento produtivo, que são défices específicos da nossa economia». E em relação aos desafios que Portugal enfrenta na próxima década, destacou a necessidade de «assegurar o crescimento sustentado da economia, sobretudo através do crescimento da produtividade assente na inovação e nas qualificações» e de «aproveitar o potencial dos setores tradicionais investindo na inovação e nas qualificações e no acesso aos mercados globais», acenando com a importância de captar recursos humanos para a fileira das tecnologias digitais.
Também João Neves, ainda no Governo, realçava que o PRR tinha como objetivo responder a três desafios, nomeadamente a transição digital, a descarbonização da indústria e as agendas de reindustrialização. Pastas essas que poderá agora assegurar com a função de consultor, já que no site da Clearwater International é destacado o seu currículo: «(…) No aconselhamento a empresários, equipas de gestão ou investidores, temos um longo histórico de criação, gestão e apresentação de estratégias de sucesso, delineadas de forma clara para ajudar os clientes a atingirem os seus objetivos e concretizarem os seus projeto», atuando em várias áreas, nomeadamente na da energia.
No entanto, quando questionado pelo Jornal de Negócios sobre a existência de um eventual conflito de interesses entre as suas atuais funções e as de governante, até há dois meses, como aconteceu com a sua ex-colega Rita Marques, João Neves afastou a hipótese liminarmente: «Não tenho qualquer tipo de conflito de interesses. [A Clearwater] é uma empresa de natureza financeira, pelo que, do ponto de vista daquilo que é a legalidade da ação, está completamente salvaguardada».
Recorde-se que o antigo governante foi afastado em novembro de 2022, por divergências públicas com o ministro da Economia, António Costa Silva, nomeadamente em relação à política fiscal que o Governo deveria seguir em relação às empresas – enquanto Costa Silva defendia que «seria extremamente benéfico» aplicar uma redução transversal do IRC), João Neves dizia que «agir em IRC para resolver um problema de curtíssimo prazo é um erro». Ese no PS já há muito era reconhecido que era incomportável a situação de choque entre o ministro e o secretário de Estado, essas declarações foram a gota de água. l
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