F alta pouco menos de um mês para o Governo apresentar as propostas para o Orçamento do Estado para 2024, mas a pressão tem vindo a aumentar, particularmente no que diz respeito à carga fiscal. Os economistas ouvidos pelo Nascer do SOL não esperam grandes surpresas, mas também admitem que as previsões económicas vão ditar as escolhas do Executivo.
Pouco otimista está João César das Neves, que confessa esperar «algo muito parecido com o habitual». E acrescenta: «Não vejo capacidade, ou sequer imaginação para fazer muito diferente».
O economista acredita que poderemos vir a assistir a alterações em matéria fiscal, mas afirma que «serão apenas cosmética», referindo que «quer o Governo, quer a oposição passam ao lado do real problema, que está no excesso da despesa, que impedirá sempre uma verdadeira redução da carga fiscal».
Também Pedro Ferraz da Costa destaca que essa deveria ser uma das prioridades, no entanto, lembra que tudo dependerá da evolução da economia no próximo ano. «Se andar mal, é evidente que estes superavits e estas folgas desaparecem em menos de nada e estamos todos endividados: empresas, cidadãos e Estado», referiu ao nosso jornal.
Luís Mira Amaral segue a mesma linha, defendendo que a redução da carga fiscal é prioritária, o que é «perfeitamente compreensível, já que desde 2010 até agora aumentou 32% e o rendimento disponível está estagnado desde essa altura». E afirma: « Num contexto em que o Governo aumentou bastante as receitas, é altura de repartir com os portugueses – famílias e empresas – uma parte que tem arrecado com a inflação, mesmo que outra vá para a redução da dívida pública, já que é um objetivo que subscrevo». E, apesar de António Costa ter acenado que tinha acabado, o economista garante que esta continua e «de forma violenta»
‘Cuidados paliativos’
Em relação às medidas já anunciadas por António Costa direcionadas para os mais jovens e que deverão estar contempladas no Orçamento – em que está previsto deixarem de pagar IRS no primeiro ano; no segundo ano, o desconto será de 75%; no terceiro e quarto anos, descerá para 50% e, no quinto ano, baixará para 25%; passes sub23 gratuitos e a devolução de propinas -, Ferraz da Costa lembra que o que é importante para os jovens são as perspetivas de futuro a médio prazo. E, sublinhou, isso passa essencialmente pelo nascimento ou desenvolvimento de empresas em setores competitivos, com elevado valor acrescentado e viradas para o mercado externo. «Isso tem crescido muito pouco. Isso é que é a grande falta. É evidente que temos uma economia muito baseada no turismo, não precisamos nem de licenciados, nem de mestrados, nem de nada disso. Qualquer escola profissional de turismo resolve o problema». E questiona: «O Governo acha que estão a sair muitos jovens com habilitações, mas agora admite a hipótese mandar vir umas centenas de milhares de marroquinos? Estamos sempre a baixar o nível do emprego que criamos e, embora o discurso político seja no sentido contrário, a saída dos jovens é uma manifestação de que ninguém acredita nisso».
Mira Amaral arrasa as propostas referentes ao IRS Jovem e defende que representam «umas festinhas no problema e não são mais do que cuidados paliativos», afirmando que «não é com esta política socialista que se cria futuro para o país, que está todos os anos a ser ultrapassado por países do leste europeu e está a caminhar para a cauda da Europa em termos económicos».
César das Neves lembra, no entanto, que a atual folga orçamental é muito pequena. «Dá para uns brilharetes, como os anúncios para o jovem, mas nada que faça diferença substancial».
Para combater esta falha, Ferraz da Costa diz que a vida das novas empresas deveria ser mais facilitada, para que fosse possível deduzir os investimentos nos lucros e para que houvesse uma maior aposta em empresas em setores mais modernos e com mais futuro. «Fazerem como, aliás, já tem sido feito, pois quer o Governo do PS, quer o Governo do PSD deram créditos fiscais ao investimento. Isto seria uma ajuda para o aumento do número de empresas e para aumento de postos de trabalho mais qualificados e a pagar salários melhores. Os créditos fiscais ao investimento ajudam a isso e é possível definir quais são as condições em que se fazem. No passado, onde houve créditos fiscais ao investimento houve resposta e uma resposta rápida».
Em relação às propostas avançadas pelo PSD em matéria de carga fiscal, os economistas contactados pelo nosso jornal acreditam que não serão contempladas. «Não acredito. As duas forças não têm interesse em colaborar, mas em desafiar-se», diz César das Neves.
Já Ferraz da Costa adianta apenas que «é tudo política e é normal que seja», mas também reconhece que, face à incerteza que se vive em termos de perspetivas económicas, percebe «um pouco a posição cautelosa do Governo», mas garante que já não percebe por que razão o Governo não avança com as reformas estruturais – que, no seu entender, «não custam dinheiro» – e com a racionalização da administração pública. «Não entendo por que não se faz mais coisas. Enquanto não se fizer isso, é muito difícil ter qualquer baixa significativa de impostos. O Governo passa a vida a declarar que não quer fazer reformas. António Costa dá a entender isso todas as vezes, porque não quer perder votos e sabe que as reformas são coisas que chateiam tem muita gente», disse.
Por seu lado, Mira Amaral afasta a hipótese de o Governo aceitar qualquer proposta dos sociais-democratas. «A atitude do primeiro-ministro é de poder absoluto, não é de maioria absoluta. Sei o que é um Governo de maioria absoluta, porque fiz parte de um Governo e, como tal, vai ignorar as propostas do PSD como tem feito até hoje». No entanto, deixa um recado ao partido liderado por Luís Montenegro: «Se estivesse no lugar deles diria alguma coisa em relação ao IRC, até porque no Governo de Passos Coelho houve um acordo entre o PSD e o PS para essa redução que depois António Costa pôs em causa».
Quanto ao fim das cativações já prometido por Fernando Medina, as certezas também não são muitas. Ferraz da Costa lembra que o Governo «tem o dinheiro todo do PRR e nem no Serviço Nacional de saúde consegue fazer os investimentos que tinha anunciado. É falta de eficiência governativa». Por seu lado, César das Neves diz apenas: «Se for verdade, é um bom princípio. Mas só quando vir é que acredito». Uma opinião partilhada por Mira Amaral: «Duvido que seja a cumprido a 100%. O ministro das Finanças até pode acaba com as grandes cativações, mas ninguém sabe qual vai ser o crescimento económico em 2024 e estamos sobre a ameaça de uma recessão na Europa».
Medida já afastada
O mesmo argumento da redução da carga fiscal foi repetido pelo Conselho Nacional das Confederações Patronais (CNCP) que aproveitou a reunião desta semana da Concertação Social para apresentar ao Governo as suas propostas, em que defendem a redução do IRC, redução do IRC de 21% para 17% e no caso das PME para 15% e a diminuição da Taxa Social Única (TSU) 23,75% para 22,75%.
Quanto à proposta relativa à TSU, já foi imediatamente afastada por Fernando Medina. «Gostaria de relembrar a posição histórica do Governo relativamente a essa matéria de não proceder a decisões que pudessem fragilizar a base contributiva da Segurança Social. O Governo tem essa posição, mantém essa posição. Discutiremos todas as propostas, mas a nossa posição é de que, relativamente à Taxa Social Única, não é um caminho que mereça o nosso sentido favorável, no sentido de que colide com o objetivo de sustentabilidade da Segurança Social», afirmou o ministro das Finanças.
Em relação às medidas propostas pelos patrões, Ferraz da Costa lamenta que «a conversa com as confederações se percam por estar muito centrada na concertação social e acaba por ser uma negociação volta dos salários, do IRC e do IRS. É muito a curto prazo, isto é, o que é que se faz para o ano». E lembra que a recusa em baixar a TSU pode ser explicada por representar «uma receita brutal que ainda por cima não está sujeita ao escrutínio da Assembleia da República. Ninguém sabe para onde vai, nem como é que vai, nem nada disso».
Ainda assim, reconhece que, em termos de redução do IRS, o Governo tem capacidade para o fazer. E acusa: «Não podem estar a beneficiar da inflação desta maneira. As pessoas neste momento ganham mais, mas também pagam mais e não estão a viver melhor porque está tudo mais caro. Isso quer dizer que há uma parte de imposto inflação que é muito pesado sobre as pessoas e que o Estado tem beneficiado imenso».
Já Mira Amaral recorda que as medidas para as empresas poderão ser alvo de negociação em concertação social e não estarem restringidas apenas no Orçamento.