O regresso triunfal de Simone

Simone Biles é tetracampeã olímpica, mas a sua vida já deu muitas reviravoltas. Após uma ausência de dois anos para tratar da sua saúde mental, voltou aos grandes palcos como sempre para vencer. Os holofotes voltaram a acender-se e a Cidade Luz espera por ela em 2024.

Nasceu em 1997 na cidade de Columbus, Ohio, mas não teve uma infância normal, como acontece com a maioria das crianças. Juntamente com a sua irmã, Adria, foi criada pelos avós maternos, uma vez que os seus pais não tinham condições para criar as quatro filhas e perderam a sua custódia por serem viciados em drogas e álcool. 

Começou a fazer ginástica aos seis anos, o que serviu de escape para a sua situação familiar, com oito passou a ser acompanhada por uma treinadora e, aos 14 anos, disputou a  primeira competição oficial tendo ficado em terceiro lugar no campeonato, mas com a vitória no salto e na trave de equilíbrio. Em 2012 deixou a escola pública e passou a estudar em casa, tendo mais tempo para treinar. No American Classic venceu todas as categorias. Ainda nesse ano, fez a sua estreia internacional e venceu uma competição em Itália.

 Simone Biles voltou a chamar a atenção em 2013 quando ganhou duas medalhas de ouro no Campeonato do Mundo de ginástica artística. Esta modalidade é das mais famosas e antigas da ginástica, faz parte do programa olímpico para homens desde 1896 e para mulheres desde 1928. A competição feminina engloba provas nas barras assimétricas, em diferentes alturas, trave de equilíbrio, com movimentos acrobáticos, solo e salto de cavalo. Os anos seguintes foram igualmente marcantes, com quatro medalhas de ouro no Mundial de 2014 e outras quatro em 2015. Voltou a impressionar o mundo do desporto nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro em 2016, quando venceu cinco medalhas, quatro de ouro e uma de bronze, tendo afirmado que não era «o próximo Usain Bolt ou Michael Phelps». «Eu sou a primeira Simone Biles».

Após as Olimpíadas do Rio, a ginasta deu os primeiros sinais de que algo não estava bem. Revelou que sofria de transtorno de défice de concentração e de hiperatividade, por esse motivo, foi autorizada a tomar metilfenidato, um fármaco normalmente proibido a desportistas. 

Assédio que ninguém quis ver

Dois anos tarde, declarou ter sido vítima de abuso sexual por parte de Larry Nassar, ex-médico da seleção americana de ginástica. Ele foi considerado culpado de abuso sexual infantil e condenado a prisão perpétua. O abuso sexual provou grande celeuma nos Estados Unidos, pois a ginasta acusou todo o Comité Olímpico dos Estados Unidos e o FBI de saberem que ela tinha sofrido abusos e nada fizeram. «Não quero que qualquer outra pessoa sofram o horror que eu e outras centenas de pessoas sofreram e continuam a sofrer até hoje», disse na altura Biles.

Nos jogos de Tóquio 2022, realizados pela primeira vez na história em ano ímpar (2021) devido à pandemia, viveram-se momentos emocionantes, com a grandeza do desporto a passar para segundo plano face ao esforço que todos os atletas fizeram para participar nessas olimpíadas, onde competiram sem público, sem a família por perto e tiveram e fazer quarentena por causa da Covid-19. Houve episódios de grande felicidade e de frustração, mas houve também histórias de medos e fraquezas. 

Foi isso que aconteceu com Simone Biles, que aspirava a vencer seis medalhas de ouro e ganhou apenas uma medalha de bronze e outra de prata no concurso por equipas antes de desistir da competição ao segundo dia para proteger a sua saúde mental. 

A sua desistência dos jogos olímpicos seria sempre algo de extraordinário e ganhou maior importância por ter dado maior visibilidade a um dos problemas que mais afeta não só os desportistas, mas uma boa parta da sociedade e que é pouco divulgado. No ano em que tudo isto aconteceu, a conceituada revista Time considerou Simone Biles como uma das 100 pessoas mais influente do ano de 2021. Se antes era felicitada pelos êxitos desportivos passou também a ser reconhecida pela sua valentia.

Desde que começou a competir já conquistou 25 medalhas em campeonatos mundiais e jogos olímpicos, sendo 19 de ouro. Foi a primeira atleta a conquistar cinco títulos mundiais individuais, e possui igualmente títulos mundiais no solo, na trave de equilíbrio e no salto sobre a mesa. É indiscutivelmente a norte-americana mais vitoriosa na história da ginástica.

Sensação estranha

A estrela da ginástica norte-americana afirmou que não se sentia mentalmente preparada para a pressão e exigência que eram postas aos atletas e abandonou. Biles desistiu da competição por equipas após fazer um salto no qual sentiu que não conseguia sincronizar o corpo com a mente, efeito que é conhecido no meio da ginástica como “twisties”, o facto de os atletas terem uma perda de consciência quando estão no ar é bastante perigoso pois deixa-os em risco de se lesionarem quando tocam o solo.

Na altura, Biles afirmou que se sentia estranha. «A minha mente e o meu corpo não estão sincronizados como puderam ver. Foi um milagre ter caído de pé. Qualquer outra pessoa teria saído de maca. Sempre fiz isto e agora não consigo fazê-lo», disse visivelmente emocionada, comparando a sua incapacidade para realizar alguns exercícios com a perda de visão. «Sinto muito. Penso que as pessoas não entendem a magnitude do que passei», afirmou ainda em Tóquio, e a partir desse momento só quis ir embora.

Simone Biles voltou aos Estados Unidos, deixou de treinar e iniciou uma terapia com vista à recuperação. Numa entrevista à revista norte-americana New York, contou o processo por que passou, a sua grande dúvida – «só quero que um médico me diga quando vou superar isto» – e o seu receito de «provavelmente ter de lidar com este problema por 20 anos».

A ginasta passou sete anos verdadeiramente muito difíceis e admitiu que por essa razão não deveria ter entrado na equipa olímpica, mas reconheceu o seu desejo de estar no pódio. Só que não aguentou a pressão como revelou mais tarde: «fiquei cada vez mais nervosa e não me sentia confiante».

Regresso de campeã

Simone Biles voltou a sentir o gosto pela competição. «O meu treinador deu-me muita confiança. Depois de ter feito uma terapia, percebi que estava tudo alinhado e que podia fazer o meu melhor enquanto ginasta, mulher e amiga», disse após ter ganho o US Classic de San Jose, no final de agosto, conquistando o oitavo título da carreira. Em declarações a televisão NBC, Biles foi mais longe e  deixou uma novidade relativamente aos Jogos Olímpicos Paris 2024. «Neste momento, diria que esse é o caminho que quero seguir». Embora tenha sido discreta nas declarações, por certo que vai treinar para  surgir em Paris na melhor forma e tentar recuperar as medalhas que perdeu em Tóquio. 

Fora dos tatamis, Simone Biles casou este verão com o jogador de futebol americano Jonatham Owens, naturalmente ficou fã da NFL, é adepta dos Houston Astros do campeonato de basebol, adora cães e cabras, gosta de estar junto ao mar, a comida preferida é pizza e para sobremesa escolhe os cinnamon rolls, bolos feito à base de canela, e é defensora das famílias de acolhimento. 

Tem atualmente um património avaliado em dois milhões de dólares.