Touradas fora de moda

Com tanta polémica chegou a ser colocada a hipótese de não permitir que a “Tourada” nos representasse na Eurovisão, mas os receios das repercussões negativas que esta atitude teria internacionalmente falou mais alto e assim o poder político

Querida avó,

Hoje escrevo-te sobre um tema controverso, que divide a sociedade – As Touradas.

Digo-te já que não gosto nada! Nunca fui, nunca vi sequer na tv e por mim, é uma tradição que, desculpem-me os que gostam, já devia ter acabado há anos.

Recentemente, Bordalo II pintou de encarnado o símbolo da tourada nas sinaléticas do Campo Pequeno. «Que o Campo Pequeno sirva apenas para espetáculos não bárbaro-labregos», escreveu o artista nas suas redes sociais. Posso não concordar com o vandalismo, mas estou de acordo com a ideologia.

Passados poucos dias, fez nova investida contra as touradas. Desta vez em Vila Franca de Xira, onde decidiu inverter os papéis da tourada e colocou um touro a torturar um humano. Vivi décadas no município de VFX e nunca fui ao Colete Encarnado, nem assisti a nenhuma largada, acreditas?

Li o testemunho de um conhecido toureiro que dizia: «Para haver direitos tem que haver deveres e os animais não têm deveres».

A sério? Não têm direito à vida? Mais à frente dizia algo como «O touro não sofre. Não existe sofrimento porque não existe dor».

Não percebi! As bandarilhas que penetram a pele e músculos dos animais, provocando intenso sangramento e ferimentos consideráveis, não provocam dor nem sofrimento???

As touradas são um tema polémico que divide opiniões entre os que são a favor e os que são contra.

Julgo que não deve haver fundamentalismos de ambas as partes. No entanto julgo que nem todas as tradições devem ser mantidas.

Antigamente era “comum” os homens baterem nas mulheres. Hoje, felizmente, a violência doméstica é um crime público. 

Julgo que o tema deve ser discutido. Temos que pensar se manter esta tradição será um motivo de orgulho das gerações mais novas.

Bjs

Querido neto,

Lembras-te de cada tema …
Não vou entrar aqui nos prós e contras com o tema das Touradas.
Estou velha e sem paciência para entrar em polémica.

É precisamente a idade que me deu sabedoria. É um facto que, ao longo da vida, fui assistir a inúmeras touradas. O Campo Pequeno é muito perto da minha casa, como sabes. Perdi a conta à quantidade de vezes que lá fui. Muitas vezes em trabalho para os jornais. Também é um facto que nem todas as tradições devem ser mantidas. Cabe a cada um estar de bem com a sua consciência.

Pensando melhor, até quero falar de “Touradas”, mas da que foi cantada pelo Fernando Tordo, em fevereiro de 1973, no palco do Teatro Maria Matos.

És muito novo, na altura tinhas poucos meses. Como sabes, vivíamos num país fechado, pobre e entristecido. Com medo da perseguição, da censura e da guerra.

A “Tourada” celebrou este ano 50 anos. Para espanto de muitos e gáudio de outros tantos, foi a canção vencedora do Festival da Canção, que à data, ainda se chamava Grande Prémio TV da Canção.

Aquilo é que foi uma grande tourada! Ainda hoje estou para saber como é que a censura deixou passar. Era impossível não ver retratada a ditadura na metáfora tauromáquica.

O meu grande amigo Ary dos Santos sempre foi um mestre das palavras. 

«Não importa sol ou sombra/ Camarotes ou barreiras/ Toureamos ombro a ombro as feras/ Ninguém nos leva ao engano/ Toureamos mano a mano/ Só nos podem causar dano esperas»…

Com tanta polémica chegou a ser colocada a hipótese de não permitir que a “Tourada” nos representasse na Eurovisão, mas os receios das repercussões negativas que esta atitude teria internacionalmente falou mais alto e assim o poder político permitiu a participação de Fernando Tordo. Que grande tourada.

É tempo de celebrarmos esta mítica canção.

Bjs