A classe média em Portugal tem vindo a perder poder de compra. A culpa é do custo da habitação e das atualizações salariais abaixo da inflação. O estudo do instituto alemão Ifo diz ainda que a carga fiscal no nosso país – impostos e contribuições para a segurança social – é das mais baixas, mas o rendimento também.
Mas a média salarial «só é mais baixa que a média da Europa se considerarmos o limite inferior do rendimento», nota Henrique Tomé. «Se considerarmos o limite superior (7.755 euros) está em linha com a média europeia», ressalva o analista da XTB.
O instituto chama igualmente a atenção para o facto de haver uma disparidade no tratamento fiscal nos rendimentos auferidos pelos solteiros que são mais penalizados face aos contribuintes casados. E dá um exemplo: um casal com dois filhos de rendimentos médios entrega em Portugal 10,5% ao Estado, abaixo dos 17% de média europeia, enquanto os solteiros entregam mais do dobro, 27,5%, mais perto da média de 31,6%.
Também Paulo Rosa, economista do Banco Carregosa, lembra ao nosso jornal que a carga fiscal tende a acompanhar o estágio de desenvolvimento de cada país. E, por isso, considera que é natural que «os países setentrionais e do centro da União Europeia tenham cargas fiscais superiores a 40% do PIB [Produto Interno Bruto], enquanto a carga fiscal de Portugal, inferior a 40%, aproxima-se mais da dos países do Leste Europeu».
Henrique Tomé reconhece ainda que estão desfasados os critérios de avaliação para que uma família pertença à classe média, sobretudo no seu limite, referindo que uma família que ganhe 2.908 euros e que tenha dois filhos, por exemplo, dificilmente conseguirá viver numa cidade como Lisboa ou Porto e ter um nível de vida razoável. «O problema prende-se com a falta de outros indicadores para além do mero critério do rendimento salarial. Outros fatores como a educação ou os hábitos de consumo, são também importantes para se ter um retrato real do país», salienta.
E defende que a carga fiscal não deveria incidir tanto sobre o rendimento mas sobre o consumo. Também os escalões do IRS lhe merecem reservas: «A existência de nove escalões de IRS atualmente parece-me claramente exagerada e impede muitas vezes a progressão na carreira e a melhoria do nível de vida de muitos trabalhadores. Em muitos casos não compensa ao trabalhador ser aumentado porque passa para o escalão seguinte e por consequência o rendimento disponível passa a ser menor do que anteriormente».
‘Pôr mais dinheiro nos bolsos’
Paulo Rosa recorda que a grande recessão de 2008/09 teve um impacto significativo nos padrões de vida das sociedades europeias. «A crise deprimiu os níveis de rendimento real na maioria dos países europeus, mas muito mais na periferia europeia (Mediterrâneo e alguns países da Europa de Leste) do que no centro. Desde essa altura, o processo de diminuição dos rendimentos reais da dita ‘classe média’ ainda não reverteu».
O economista aponta também o agravamento do peso da dívida pública. Se, em 2007 era cerca de 73% do PIB, passou para 130% na crise financeira e, mais tarde, das dívidas soberanas. Atualmente ronda os 110%, «forçando o Executivo a manter a carga fiscal, continuando, assim, a penalizar os rendimentos reais das famílias», explica. «Uma descida do rácio da dívida pública é importante para o financiamento da República a taxas de juro mais baixas, mas aumenta a carga fiscal e penaliza os rendimentos das famílias».
Ainda esta quinta-feira, o Conselho das Finanças Públicas apresentou o relatório ‘As perspetivas económicas e orçamentais’ dos próximos cinco anos, que estima que Portugal vai ter pela primeira vez um rácio da divida abaixo dos 100% em 2025, ou seja, um ano antes da previsão anterior (março). «Deste modo o rácio da dívida deverá diminuir 25 pontos percentuais nos próximos cinco anos, e alcança 89,4% do PIB em 2027».
O organismo liderado por Nazaré da Costa Cabral aponta também para uma revisão em baixa da taxa de inflação que passa para 5,2%. Já a riqueza nacional sofre uma melhoria face às últimas contas mas em comparação com o ano passado, em que o PIB cresceu 6,7%, este ano não deve ultrapassar os 2,2%, em virtude da «redução quer no contributo da procura interna, quer no contributo das exportações líquidas».
Também esta semana, a Confederação Empresarial de Portugal (CIP), apresentou várias medidas ao Governo visando aumentar os salários acima do valor previsto no acordo de rendimentos e sublinhou que o Executivo deve escolher entre colocar mais dinheiro nos cofres do Estado ou no bolso dos portugueses.
Em causa estão propostas de redução da carga fiscal das empresas, sobretudo a diminuição do imposto sobre o lucro (IRC), enquanto na área dos rendimentos, propõe «criar o 15.º mês com neutralidade fiscal», ou seja, «o pagamento voluntário pelas empresas do 15.º mês, até ao limite do salário base auferido pelo trabalhador, sem incidência de IRS e exclusão da base de incidência contributiva em sede de segurança social», revelou o documento.
A confederação presidida por Armindo Monteiro sugere outra medida extraordinária de liquidez para as famílias, que passa por testar, em 2024 e 2025, um incremento salarial de 14,75% nos salários, com redução temporária da Taxa Social Única (TSU).