São vistosas e inteligentes, consideradas a atração principal em muitos parques aquáticos espalhados pelo mundo. Parecidas com as baleias, mas na realidade consideradas o maior golfinho que a ciência conhece, graças à relação que criam com os seus treinadores dão a sensação de serem animais amigáveis. No entanto, já há mais que provas de que, apesar dessa proximidade, o instinto selvagem fala sempre mais alto. Se há quem as adore, há quem as denomine de “baleias assassinas” pelas vidas que já tiraram aos especialistas que com elas convivem e trabalham. O caso mais conhecido ocorreu em fevereiro de 2010, quando Dawn Brancheau faleceu enquanto realizava uma apresentação com uma orca chamada Tillikum, na cidade de Orlando, na Florida, no sul dos EUA. O animal agarrou a treinadora pelo cabelo e começou a balançá-la debaixo da água na sua boca.
Dos tanques para os ataques no mar, as orcas têm sido um dos assuntos mais badalados deste verão, não só espalhando o medo entre pescadores e velejadores, como também preocupando seriamente as autoridades, que ainda não conseguem explicar de maneira objetiva estes comportamentos agressivos: os animais têm atacado veleiros. Sabemos que, em Portugal, estes golfinhos podem ser observados em qualquer altura do ano, com maior incidência na primavera-verão no sul do país, seguindo as rotas migratórias do atum, a presa preferencial desta população, em direção ao Mediterrâneo. Desde 2020, na Península Ibérica, as orcas têm causado enormes transtornos aos barcos com os quais se cruzam.
O primeiro ataque de que há registo ocorreu no estreito de Gibraltar em maio desse ano, abrindo caminho a dezenas de outros. A maioria dos ataques partilha um padrão: por norma, envolve um pequeno grupo de baleias que atacam os lemes de pequenos veleiros de forma “organizada” antes de desfazerem a formação e afastarem-se.
Desde essa altura, que há quem tenha de esperar meses atracado na marina devido aos estragos causados pelos incidentes, casos de velejadores portugueses que têm medo de ir para o mar e há mesmo quem tenha planeado ir de férias em grupo pensando numa maior segurança.
Aumento de casos Segundo noticiou a CNN em julho, na costa portuguesa, em 2023, já se contabilizaram 30 incidentes com orcas. De acordo com os dados, nos últimos três anos os “ataques” mais que triplicaram na costa ibérica (Portugal e Espanha): em 2020 foram identificados 52; em 2021 foram registados 197 e, em 2022, 207. Dos 456 incidentes, 142 foram na costa portuguesa, onde duas embarcações já naufragaram. Em 2023 (até dia 14 de julho), revela o site GT Atlântico Orca – que regista todos os avistamentos destes animais -, contabilizam-se 101 interações, sendo que 30 aconteceram na costa portuguesa. Junho foi o mês com mais incidentes na costa nacional: 15 ao todo.
Nesse mês, um grupo de orcas danificou um veleiro com bandeira polaca ao largo da Barra da Armona, no Algarve. Bem perto dali, no mesmo dia, um ataque de orcas a 2,8 quilómetros da Culatra deixou um catamarã francês sem leme, obrigando ao resgate pela autoridade marítima. Ainda em junho, seis animais da espécie Orcinus orca atacaram um veleiro que navegava pelo estreito de Gibraltar.
Mais recentemente, em agosto, um barco foi atacado por várias orcas ao largo de Sesimbra. Nas imagens partilhadas nas redes sociais, vê-se o barco rodeado destes animais e ouve-se o pedido de ajuda de uma mulher. “Estamos a ser atacados por orcas ao largo de Sesimbra. Estamos a cerca de uma milha de Sesimbra”. O vídeo do pedido de ajuda às autoridades foi gravado a bordo do veleiro ‘Santa Bárbara’. Os tripulantes viram a sua embarcação ficar com o leme danificado pelo ataque dos animais a cerca de uma milha de terra.
Cuidado redobrado Em agosto, Portugal já havia proibido os barcos de turismo de se aproximarem dos grupos de orcas. Nessa altura, o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (INCF) de Portugal afirmava que, além dos veleiros, algumas embarcações turísticas mais pequenas têm despertado o interesse das orcas. “Dado o tamanho das orcas adultas, que podem atingir um comprimento máximo de nove metros e pesar entre três e cinco toneladas (…) uma interação mais intensa com (…) embarcações mais pequenas, utilizadas para a observação de cetáceos, poderá ter consequências mais graves”, afirmou o INCF em comunicado. A proibição de se aproximar ativamente das orcas foi decretada por razões de segurança dos turistas e para evitar perturbar os animais. Os barcos são também aconselhados a afastar-se dos animais para evitar interações e a pararem de se mover se as orcas conseguirem aproximar-se do barco sem serem notadas.
“As orcas são animais muito inteligentes, complexos e com personalidades distintas. Como parte da sua inteligência, têm também algo que nos é familiar: cultura”, explicava em julho ao Nascer do SOL, Sofia Esteves da Silva, bióloga marinha. “Ou seja, todas as aprendizagens são passadas de geração em geração, e aí incluem-se estratégias de caça/defensivas, linguagem, entre outras, sendo conhecidas pelas suas elaboradas estratégias para capturar as suas presas de forma coordenada e em grupo”, detalhou, acrescentando que este é “o mamífero marinho mais cosmopolita e com dietas muito versáteis, dependendo do seu ecótipo”.
Quanto aos incidentes, a especialista destacou que não os devemos classificar como “ataques”: “‘Ataque’ implicaria assumir que existe agressão direcionada contra uma potencial vítima. Da minha perspetiva, não se trata de agressividade. As orcas são golfinhos como os restantes e, portanto, velocidades, ruídos e partes móveis debaixo de água despertam interesse nestes animais. Se realmente quisessem ser agressivas, diria que poderíamos ver batidas com a barbatana caudal nas embarcações ou investidas de baixo para cima, como vemos por exemplo com o que fazem com icebergs ou plataformas similares”, acredita. Segundo a especialista, o que vemos “são pancadas laterais pela popa dos lemes e desinteresse total depois destas partes móveis pararem/perderem a sua funcionalidade”. Apesar de existirem diversas teorias – que vão desde simples comportamentos lúdicos, alterações da presença/pressão humana no seu habitat, comportamento defensivo e apreendido derivado de um trauma passado, entre outros -, “ninguém sabe ao certo as razões que estão na origem destes comportamentos”, defende a bióloga marinha.
“Uma das teorias aponta, de facto, para o desenvolvimento deste comportamento como reação defensiva associada ao ferimento – compatível com embate de embarcação, encontrado numa das três orcas que o iniciou há três anos”, explicou. Sendo uma espécie com elevadas capacidades cognitivas, o comportamento acabou por ser aprendido por outras orcas, tendo-se difundido. “É importante ter em mente que os motivos tanto da origem como da dispersão e persistência, podem não ser os mesmos e são desconhecidos cientificamente. Assim, importa não incentivar nem estimular uma ‘guerra’ porque, a acontecer, as orcas vão perder”, alertava na altura.
Há um mês o Instituto de Conservação da Natureza e a Marinha revelavam que irão testar em breve dois engenhos que podem vir a impedir ataques de orcas.