Gianni Vattimo, libertação que oferece um pensamento fraco

1936-2023 

Tantas vezes é difícil saber que horas são, não em termos do ciclo que se cumpre a cada volta do sol, mas numa compreensão do próprio percurso humano, dessa relação das ideias que norteiam o seu pensamento, e este filósofo italiano soube consultar esse impreciso mecanismo que nos diz em que fase reside o sol civilizacional. Para Gianni Vattimo, depois da longa trajetória metafísica, a morte de Deus veio pôr fim à crença nos valores absolutos, abrindo margem para a pós-modernidade, um tempo em que, por não ser já possível, filosoficamente, encontrar um fundamento único e absoluto da realidade, a principal função do pensamento é a hermenêutica, ou seja, um marcado pelas várias possibilidades de interpretação, esta época definida pela pluralidade mas também pelo enfraquecimento do pensamento. Vattimo ficou assim ligado a essa teoria do «pensamento fraco», que desenha um percurso invulgar a partir da releitura de Nietzsche, Heidegger e Gadamer para defender que cabia à filosofia assumir uma postura mais aberta e modesta.

Apesar de entender que se estava a disseminar uma propensão niilista na sociedade, como expressão de um cristianismo secularizado, e se viu o ocidente como essa região onde hoje o sol se põe, soube reinterpretar a pós-modernidad como uma «libertação» metafísica clássica, que assumia uma perspetiva totalizadora.

Vattimo viria a reconhecer que a génese desta sua teoria partiu da sua própria experiência enquanto homem simultaneamente homossexual e católico. «Se não fosse gay, nunca teria levado a cabo esta reflexão profunda sobre a não-normatividade das essências naturais, que constitui a alma do ‘pensamento fraco’. Portanto, embora não seja uma ‘filosofia gay’, acho que há conexões importantes», reconheceu certa vez. O filósofo que teve também um papel importante na defesa dos direitos LGBTI, morreu na terça-feira, aos 87 anos, num hospital em Turim, onde estava internado em estado grave desde meados de agosto.

Além da sua obra de grande variedade e vivacidade, e do seu percurso académico, dando aulas na Universidade de Turim, Vattimo teve ainda um percurso político bastante destacado, militando em várias formações à esquerda, chegando a ser eleito para o Parlamento Europeu. Teve ainda uma papel importante na divulgação da filosofia junto de um público generalista, apresentando programas na estação pública italiana, a RAI, e mantendo uma colaboração ao longo de décadas, enquanto colunista, nos diários La Stampa e La Repubblica e no semanário L’Espresso.