Foi na primeira série de verão dos Morangos com Açúcar que o vimos pela primeira vez e foi um acaso que o atirou para a representação, área que nunca mais largou. Confessa-se um apaixonado por televisão, cinema e teatro e tem um orgulho enorme de trabalhar em Portugal, lamentando apenas os apoios dados para a cultura. José Mata defende que o que se faz no nosso país ‘ é muito bom’ e que daqui a uns anos teremos conteúdos tão ou mais importantes que Espanha ou Brasil.
É na L’Agence que nos encontramos, um espaço que José Mata conhece muito bem e há muitos anos. É de manhã mas a agenda já é bem preenchida e o trabalho não pára. Recebe-nos com boa disposição e com vontade de conversar sobre o que mais gosta de fazer: representar. Entre risos, gargalhadas e até assuntos mais sérios, José Mata fez o balanço da sua carreira que começou há quase 20 anos. Confessa-se uma pessoa que nunca está satisfeita profissionalmente e quando lhe perguntamos o que é que ainda lhe falta fazer, responde sem hesitar: «Tudo». Trabalhar em Portugal é o que lhe dá mais prazer mas não descarta nunca a possibilidade de o fazer lá fora também: «O ideal é trabalharmos cá, cada vez melhor e ir tendo umas participações lá fora». A conversa passa a ser mais séria quando falamos da verba do Orçamento do Estado para a cultura, que considera «uma vergonha». O ator, que voltará em breve ao pequeno ecrã na nova trama da SIC não tem dúvidas que em Portugal o talento é muito mas que são precisas mais ajudas. «Somos um país de políticos maus, mas somos um país de artistas muito bons», atira, garantindo que os artistas batalham muito para que a cultura continue a ser uma realidade com qualidade.
Volta a ser protagonista de uma novela. O que já podemos saber?
Somos quatro protagonistas. O Ângelo Rodrigues e a Carolina Carvalho Santos são, digamos, os protagonistas chamados bons. Eu e a Margarida Vila-Nova enquadramo-nos mais naquela pele do antagonista. Hoje em dia já não existe tanto a ideia dos bons e dos maus, o que acho muito bom. Hoje esses papéis fundem-se um bocadinho e acho que isso torna as coisas mais interessantes. Este papel é um ‘bombom’ da SIC e do Daniel Oliveira, porque já tinha alguma vontade de voltar aos bad boys. Este é um malandro, um bom malandro. Chama-se Paulo Alexandre, vive com a avó no bairro Horizonte. Tentámos, no início, encontrar algumas semelhanças com algum bairro tipicamente lisboeta. Se quisermos, podemos fazer a comparação, talvez com Alfama, Madragoa, uma coisa bem bairrista. É de famílias humildes, um sobrevivente. Está constantemente metido em esquemas de mentiras, enganos, assaltos. E depois entram as histórias dos amores e desamores – que ele também vai viver isso de forma muito intensa – mas que está muito bem construída nesta novela, porque não é o típico triângulo ou quadrado amoroso. Vamos abordar isso de forma ligeiramente diferente. Não vai ser tão óbvio, não vai ser tão rápido. Mas acontece muita coisa nos primeiros 50 episódios, é uma loucura. Tem muito dinamismo e acho que as próprias novelas estão a mudar. O público também quer que mudem. Vimos um decréscimo muito grande de espetadores desde há dois, três anos no que toca às novelas. As pessoas não estão a deixar assim tanto de ver televisão como se diz, mas as novelas tiveram uma quebra um pouco acentuada. Acho que tem a ver também com todos os conteúdos de streaming que hoje em dia temos para consumir. Em relação a este personagem, é um trabalho de novela que gosto sempre de abraçar e que tem sido um desafio. Estou a fazer um personagem com alguma composição bem diferente daquilo que eu tenho feito. Estou muito expectante mas com medo, porque quando arriscamos ficamos sempre com medo. Mas acho que nesta fase da minha carreira mais vale arriscar.
Como é que se prepara para um papel destes?
O Johnny Depp tem uma frase muito gira em que ele diz que quando lemos uma descrição de um personagem, que é feito pela autoria, por quem o pensa, por quem o escreve, temos logo cerca de dez imagens de como a personagem é e normalmente 70, 80% daquilo que fazemos é baseado nessas primeiras imagens. Temos referências, há muito trabalho de casa. Se é um personagem bairrista, há bairros que conheço bem em Lisboa, outros na periferia. Vou a esses bairros, vou lá almoçar, jantar, beber um copo.
É importante esse conhecimento?
É importante. É algo que faz parte do nosso imaginário e também do nosso conhecimento. No caso, sou um lisboeta, ainda há bem pouco tempo tivemos santos populares. Estamos muito próximos dessa realidade. E acho que é uma junção de tudo. Muito trabalho de casa naquilo que é o papel, ou seja, a descrição do personagem mais os episódios. Muitos ensaios também na própria SP com os nossos colegas. E acho cada vez mais que o nosso trabalho é melhor quanto melhor for o trabalho do outro nesse sentido de ensaiarmos e prepararmos. ‘Como é que vais fazer?’, ‘Como é que vais apresentar?’. Porque se trabalho com outras pessoas, não vou trabalhar sozinho. É bom encontrarmos o nosso personagem nos outros também. E acho que isso é muito giro, faz parte do trabalho, faz parte dessa chamada construção de personagem. Depois nós próprios costumamos brincar e gostamos de dizer que normalmente passa um mês, um mês e meio até agarrarmos o personagem, depois ele já vive por si próprio.
“Gosto sempre de abraçar um desafio. Estou a fazer um personagem com alguma composição bem diferente daquilo que eu tenho feito […]. Acho que nesta fase da minha carreira mais vale arriscar”
Quando interpreta um personagem, consegue desligar totalmente ou há sempre um bocadinho de José Mata naquilo que vemos?
Para mim, não existe isso de encarnar o personagem e de repente desaparecemos. Temos que entregar e emprestar coisas nossas ao personagem, tirar coisas que se calhar temos a mais. Por exemplo, este personagem tem uma característica muito forte: fala muito mal português. Eu, durante anos esforcei-me (risos) e ainda hoje me esforço por falar muito em português, falar muito bem a nossa língua, acho fundamental. De repente, há toda uma desconstrução. Aqui sou eu que tenho que estar constantemente a policiar-me para falar mal. E não é falar mal por falar, é uma espécie de gíria quase, de calão, que neste caso defini como sendo uma característica deste personagem. Essa é uma característica que não tem nada a ver comigo. Há muitas outras que empresto ou que tenho que tirar. Mas somos sempre nós. Não há essa ideia de que de repente desce alguma alma qualquer do céu e nós encarnamos um personagem e somos completamente diferentes. Não acredito nisso.
Voltamos tudo atrás até ao início da sua carreira. Começou nos Morangos com Açúcar. Como é que a representação entra na sua vida? Queria muito ou apareceu por acaso?
Apareceu por acaso. Fui acompanhar uma ex-namorada a um casting e fiquei nesse casting mas não o queria fazer, fui só acompanhar. Fiz esse anúncio e através dele entro na L’Agence. Tinha 16, 17 anos. Faço mais um casting para um anúncio de televisão e fico novamente. Foi tudo muito estranho para mim. Estava no 11.º ou 12.º ano e depois surge o casting dos Morangos e fui chamado. E disse que não era ator. Sempre vi o ator como uma coisa inalcançável, inatingível, muito utópica, apesar de desde miúdo adorar teatro, cinema e tudo o que é relacionado com essa área. Sempre me interessei bastante, mas nunca pus essa hipótese. De repente faço o casting para os Morangos e fico. E a partir daí é que entra a representação na minha vida. Fiz a primeira série de verão dos Morangos e depois procurei fazer workshops até que vou parar ao Conservatório onde entro, salvo erro, em 2006.
Desde aí nunca mais parou. De todos os trabalhos que fez, algum que consiga destacar?
É muito difícil. Quando falo em papéis marcantes costumo sempre falar de quando me estreei em teatro com um espetáculo que se chamava Nem tudo começa com um beijo no Teatro Esfera. Curiosamente, também estreia a estreia da Daniela Ruah em teatro. Na encenação do João Ricardo no Teatro Esfera é quando me estreio em teatro. Aconteceu no mesmo ano em que entrei no Conservatório, foi tudo a acontecer ao mesmo tempo. Tinha acabado uma novela da noite, a minha primeira novela da noite. Morangos, algumas participações, workshops, novela da noite, estreia em teatro, a entrada no conservatório, foi tudo muito repentino. Mas talvez destaque também o meu primeiro protagonista em cinema, com o filme do António Pedro Vasconcelos, Amor Impossível, que foi um personagem muito marcante. E depois muitas outras. Adorei fazer o Lobo em novela, que foi um mauzão que me deu muito gozo. E tantas outras. Não gosto de fazer distinção entre nenhuma porque é difícil escolher.
Tal como será também difícil escolher entre televisão, teatro e cinema.
Isso é aquela pergunta que também gosto de fazer aos meus colegas. Teatro tem uma magia que mais nada tem. Porque teatro é o momento. Não corta, não há nenhuma indisposição, nenhuma tosse, nenhum espirro, nenhuma dor de cabeça que te tire do palco e não há nenhum mau dia que possa fazer a performance correr pior ou melhor. Temos que fazer aquilo bem, como se fosse a primeira vez, todos os dias, com respeito pelos novos espetadores que se sentam naquelas cadeiras todos os dias. E aquilo acontece em direto. A televisão e o cinema têm também a sua magia. O cinema é a sétima arte. É talvez aquele que menos fiz e que mais quero fazer e mais quero explorar. E que me dá mais gozo também. Acho que temos filmes inacreditáveis, nacionais e internacionais. E a televisão também. Hoje em dia temos séries e novelas com muita qualidade. Acho que elas estão todas mais ou menos ao mesmo nível. Claro que do ponto de vista do intérprete, de quem faz, acho que será mais pelo projeto e não tanto pela área dele onde ele se encaixa.
Há pouco falávamos do filme Amor Impossível. Com ele ganhou um Óscar. Como é receber este prémio?
É incrível. Nesse ano aconteceu tudo ao mesmo tempo. Foi o prémio da SPA [Sociedade Portuguesa de Autores], depois foi o prémio da Academia de Cinema e depois o Globo de Ouro. Mas é o que costumo dizer e como diz um amigo meu, nós ganhamos um prémio relativo a um trabalho. E eu disse-o na altura. Grande culpa desse prémio é da Vitória Guerra, do António Pedro Vasconcelos. Foram duas pessoas muito importantes para mim nesse filme. E é relativo a este trabalho. Portanto, temos que ficar muito felizes e agradecer por esse prémio. Mas não é um prémio para mim, é um prémio para mim a fazer aquele personagem. Aquele personagem acabou, vêm outros. Fico muito feliz, claro, como é óbvio. É muito bom para o ego. No ano seguinte já não ganhei nenhum prémio (risos).
Disse que o novo personagem que vai desempenhar é um ‘bombom’ por voltar a fazer de vilão. É mais fácil fazer de vilão ou de ‘bonzinho’?
É muito fácil responder: gosto mais de fazer de vilão.
É mais desafiante?
Acho que sim. Mas também é preciso ter atenção, estou sempre a dizer isto: fazer o protagonista bonzinho é mais difícil. O vilão é teoricamente mais fácil e o protagonista bonzinho teoricamente mais difícil. Porquê? Porque o vilão tem certas características que já o tornam mais ou menos interessante no papel, ou seja, a ideia de ser o mau, a ideia de fazer mal, a ideia de ter essas características que o tornam no vilão já por si só é um desafio. No caso do bonzinho, muitas vezes, temos que encontrar dentro do bonzinho quem é aquele personagem e o que é ele tem que o torna interessante ao ponto de levar uma narrativa de cerca de oito meses para a frente. O protagonista bonzinho é muito difícil de fazer, mesmo muito difícil.
Como é que se lida com o facto de ser uma figura pública e de ver a sua vida pública?
Vivemos em Portugal, temos 10 milhões de habitantes. Acho que a nossa realidade não é a realidade internacional. Se formos aqui ao lado a Espanha, eles são mais, as coisas são vividas de uma forma mais intensa. Lido muito bem com isso. Acho perfeitamente natural que as pessoas me abordem, falem comigo, queiram saber coisas. Acho muitas vezes engraçado, desde que não haja nenhuma falta de respeito. Nunca tive nada contra isso. Vivi os Morangos, vivi essa loucura. E lembro-me que certos colegas meus não podiam quase ir à rua. Hoje em dia já não é assim. Hoje em dia, talvez se sairmos de Lisboa ou formos mais para o interior do país, aí sim, talvez as pessoas nos abordem de uma forma mais efusiva, porque não estão habituados, porque sabem que nós geralmente estamos em Lisboa, no Porto, e então vivem isto de uma forma mais efusiva. Encaro isso com muita naturalidade, até porque acho que a verdadeira fama, o verdadeiro mediatismo, é quando falamos de um Cristiano Ronaldo ou de um Leonardo DiCaprio. Cá as coisas também acontecem, mas é diferente. Consigo ir ao supermercado fazer compras sem problema nenhum. Acredito que, por exemplo, o Cristiano Ronaldo não consiga.
Falava-me da relação com os colegas e da importância da relação da equipa. Já aconteceu o contrário?
Claro. Isso acontece em todas as áreas. Em todas as áreas às vezes vamos mudando de equipa. E falo mesmo de todas as áreas, a não ser quem trabalhe sozinho em casa. Mas, quando trabalhamos em equipa, seja uma, duas, três, quatro pessoas, é fundamental termos um bom ambiente, haver respeito. Se houver bom ambiente, melhor ainda. Se houver umas boas gargalhadas pelo meio, melhor ainda. E se houver química de trabalho, então aí é a cereja no topo do bolo, porque aí conseguimos juntar tudo. Nesta novela – não estou a fazer género –, isso acontece. Sentiu-se desde o primeiro dia que queríamos fazer algo. Estávamos todos no mesmo barco, todos a remar para o mesmo sítio e todos com muito bom ambiente, com muita energia. Começámos no pico do Verão, portanto estávamos – e ainda estamos – cheios de vontade. É normal que isso não aconteça às vezes. Que não aconteça no sentido dessa química de trabalho. Quando isso não acontece de uma forma tão natural, se calhar temos que ir encontrar outras ferramentas que consigam pôr o trabalho ao mesmo nível, num patamar elevado. Mas se calhar não é duma forma tão natural. Acho que é normal haver projetos onde não há uma química à partida tão forte e tão intensa, porque isso também quando acontece, torna as coisas mais especiais. Acho que isso é natural, é orgânico. E quando acontece, juntar as peças todas e de repente conseguimos ter um bom ambiente, boa química de trabalho ou entendimentos, então aí é porque as coisas vão funcionar, vão funcionar mesmo, porque se funcionam para nós de uma forma tão natural, quem vê, tenho certeza que vai sentir isso da mesma forma.
Prejudica o trabalho quando não acontece?
Para não prejudicar o trabalho temos que encontrar ferramentas que tornem o trabalho tão bom, ou melhor ainda, do que poderia vir a ser. Ou seja, mais trabalho e se calhar não de uma forma tão orgânica e tão natural, mas se calhar mais técnica, tentarmos perceber de que forma é que conseguimos elevar os patamares de exigência e de brio no trabalho, porque não podemos nunca descurar seja o que for, seja teatro, televisão, cinema. Temos sempre que tentar fazer o melhor, entregar o melhor de nós próprios e tentar perceber se isso acontece com o grupo que temos à nossa volta. Muitas vezes a culpa é nossa também. Muitas vezes somos nós que naquela quarta-feira não estamos tão bem-dispostos e as cenas não saem tão bem. E temos que trazer isso para casa, meditar um bocadinho sobre isso, tentar perceber o que é que correu mal, que é para no dia seguinte, na quinta-feira, já fazermos as melhores cenas do mundo.
O que é que ainda lhe falta fazer?
Falta-me fazer tudo.
“Um país que não é culto, é um país burro. Pergunto: é isto
que queremos? Pessoas desinformadas, incultas, sem ter acesso à cultura? O apoio às artes é vergonhoso”
Não é uma pessoa satisfeita.
Não, zero satisfeita. Cada vez que começo um trabalho, é assim. Ainda este ano tive oportunidade de fazer teatro, uma série, uma curta metragem, agora uma novela, todos estes trabalhos que têm técnicas diferentes e são com pessoas diferentes, sinto sempre que estou a começar, sinto sempre um frio na barriga quando recebo os textos e vou para casa ouvir música e fechar-me a ler aquilo. E sinto sempre: ‘Será que eu vou fazer isto bem? Não vou fazer isto bem’, ‘Como é que eu vou fazer isto?’. Sinto sempre que é a primeira vez que estou a fazer. Nunca estou satisfeito e nunca estou satisfeito profissionalmente também. Acho que estamos a evoluir muito. Lembro-me quando as pessoas diziam que era impensável ouvir uma novela falada em português de Portugal. ‘Que horror, isso soa tão mal, é bom é em brasileiro’. Agora já estão mais que habituadas. Já nem se põe em causa o português das novelas. Lembro-me quando as séries eram quase também uma utopia, o próprio cinema também. Está tudo a evoluir e quebrámos a barreira internacional. Antigamente um ator tinha que ir para fora para vingar. Hoje em dia não. Hoje em dia dá para fazer um casting, uma selftape no meu quarto ou na minha sala. E consigo que um realizador espanhol, chinês, brasileiro, norte-americano, veja uma selftape, um casting meu para um possível trabalho. O streaming inundou as nossas vidas. Quero trabalhar lá fora, quero trabalhar internacionalmente, mas gosto muito de trabalhar cá também. Se surgir tudo ok, acho que o ideal é trabalharmos cá, cada vez melhor e ir tendo umas participações lá fora. Vamos trabalhar muito, vimos agora com Rabo de Peixe, com o Glória e também os sucessos da Netflix. E ainda bem que esta entrevista vai ficar registada porque acho que daqui a dois, três anos, vamos ter níveis de conteúdo tão ou mais importantes do que em Espanha ou no Brasil. Acho que o streaming vai mesmo inundar as nossas vidas e os técnicos, os atores, toda a gente das várias áreas, vai trabalhar cada vez mais internacionalmente também, porque nós somos muito bons.
Diz que gosta de trabalhar em Portugal. Acha que o Governo devia apoiar mais os artistas e a cultura?
Ainda bem que me conduz a esse tema. Acho que é uma vergonha, não tenho outra palavra. Porque quando temos uma fatia do Orçamento do Estado para cultura tão absurda, é uma falta de respeito para com todos os artistas. E, maior ainda, uma falta de respeito para a cultura. Um país que não é culto, é um país burro. Pergunto: é isto que queremos? Pessoas desinformadas, incultas, sem ter acesso à cultura? No interior temos muito poucos sítios onde as pessoas conseguem ir ver uma peça de teatro, ir ao cinema, ver um concerto. Há uma centralização das artes do espetáculo que é ridículo. O apoio às artes é vergonhoso. Sinto que vivo num país que põe completamente de lado a cultura em prol de outras coisas que, pelos vistos também não funcionam e também não são melhores.
E não vemos mudança.
Não há mudança, mas também não há alternativa. Não quero entrar no campo da política, mas não vejo grande alternativa. Sinto que há muito poucos políticos bons, infelizmente. Somos um país de políticos maus, mas somos um país de artistas muito bons. Somos um país de um país de artistas tão bons que, em períodos de pandemia, com o Orçamento de Estado a zero, com o apoio à cultura a zero, conseguiram continuar a fazer espetáculos pro bono, à bilheteira, a criar sem dinheiro, sem meios nenhuns, a apresentar espetáculos atrás de espetáculos, seja nas grandes capitais, seja nas periferias ou mesmo no interior do país. Continuamos a ver espetáculos a acontecer porque os artistas assim o querem e porque batalham para isso e porque se calhar tiram do seu dia quatro horas que não vão estar com a família para se enfiarem no teatro a preparar uma coisa que vão fazer sem dinheiro. As pessoas querem ver coisas, as pessoas querem ir ao teatro. Basta ir perguntar na quantidade de salas de espetáculo – estamos no verão – quantos bilhetes é que estão vendidos? Quantos bilhetes é que são vendidos no Tivoli quando há espetáculos? As pessoas esgotam o CCB, esgotam o Casino, o Tivoli, o Coliseu, as grandes salas de Lisboa e do Porto. As pessoas adoram ver espetáculos. Deem mais espetáculos às pessoas porque somos um país que gosta de cultura. Mas deixem-nos fazer cultura.