O jovem Ellis pegou na bola e desatou a correr

O rugby, agora a viver em pleno Campeonato do Mundo, nasceu do futebol no ano de 1823.

Worwicksire, Rugby School: os alunos entretinham-se numa esforçada partida de futebol sob um céu cinzento de Outono do ano de 1823 a ameaçar chuva para qualquer momento. De repente, sem que ninguém o pudesse adivinhar, de forma um tanto ou quanto amalucada, o jovem William Webb Ellis agarrou a bola com as mãos e, perante todos os seus embasbacados companheiros, carregou com ela até à baliza contrária, pousando-a do lado de lá da linha de golo. Acabara de nascer o football rugby que haveria de se independentizar do football association. A Taça do Mundo de rugby, que se encontra em disputa nos campos de França nos dias que correm, tem exactamente por nome Willliam Web Ellis Cup. Vamos e venhamos: no fundo tem o nome de um grande aldrabão.

Como é evidente, os adversários da equipa de William não ficaram nada satisfeitos com a malandragem do rapaz. Discutiu-se, chegou-se praticamente a vias de facto, o golo foi anulado, naturalmente, mas a verdade é que durante vários anos antes de Ellis ter andado de baliza a baliza com a bola na mão já muitas variantes do futebol permitiam o uso das mãos durante os jogos.

Não era o futebol-futebol, o association, mas também não deixava de o ser. Picuinhas com são sempre nestas coisas de regras e regulamentos, os ingleses não tardaram a preocupar-se seriamente na forma de resolver essas discrepâncias de uma vez por todas. Depois, também bem à inglesa, discutiram, votaram, contabilizaram resultados e, no dia 28 de Agosto de 1845, fizeram publicar o livro de regras para o que chamaram de Football Rugby. E, a partir de então, o rugby espalhou-se alegre e orgulhosamente purificado por toda a ‘glorious mud’ do Império Britânico.

Profissionais!

Curiosamente, em termos de organização competitiva, o rugby dividiu-se em duas zonas geográficas, com a Rugby Football Union a sofrer com a deserção dos clubes do norte do país que criaram a Northern Rugby Football Union no ano de 1895, após uma famosa reunião no George Hotel, em Huddersfield. O problema que estava colocado em cima da mesa era o dos pagamentos aos jogadores, absolutamente contrários ao espírito totalmente amador da Rugby Footbal Union. No norte, os clubes aceitaram a ideia do broken-time payments, uma espécie de compensação monetária pelo tempo em que estavam ao serviço dos clubes, compensações essas que podiam muito bem chegar a quantias que permitissem aos atletas não fazerem mais nada para ganharem a vida se não… jogar rugby.

O braço de ferro durou a ninharia de 100 anos. Só em  1995, depois do Mundial da África do Sul, é que a Rugby Football League aceitou o profissionalismo de braços abertos, e que remédio teve, pois já ninguém jogava rugby amador que não fosse em equipas universitárias.

Regressemos por momentos à pré-história do jogo, muitos e muitos anos antes de ter dado na veneta a Ellis desatar a correr sem entregar  a bola  a ninguém. Vários jogos nos quais tanto as mãos como os pés eram utilizados indiscriminadamente foram registados em lugares tão díspares de toda a Europa e até para além dela. Quem se deu ao trabalho de pesquisar desportos coletivos com muitas semelhanças com o rugby, revelou exemplos como o ‘had Ki-o-rahi’, na Nova Zelândia, o ‘marn grook’, na Austrália, o ‘kemari’, no Japão, o ‘lelo burti’, na Geórgia, e ainda os escoceses ‘Jeddart Ba’’ e o ‘Cornwall Cornish hurling’. Na Itália central existiu o ‘Calcio Fiorentino’, no sul do País de Gales houve o ‘cnapan’,  e na Irlanda o  ‘caid’, antepassado do futebol gaélico.

A génesis do rugby pode ter sido a evolução natural de uma vontade de os homens criarem disputas uns com os outros por causa da posse de uma bola, fosse essa posse feita com os pés ou com as mãos. E, assim sendo, não é fácil apontar para o momento em que o jogo tenha sido disputado pela primeira vez. Mas aceitemos como boa a Teoria de Ellis. Isso faz-nos crer que o futebol rugby é um fruto do football association, embora com as mãos a serem muito mais utilizadas do que os pés. Os escoceses consideram-se mesmo os precursores do rugby actual, tendo posto em prática o primeiro jogo com as regras do rugby tal como foram escritas por  William Delafield Arnold, W. W. Shirley e Frederick Hutchins, professores da Rugby School.

O encontro teve lugar em Edimburgo, em Dezembro de 1857, entre a  Edinburgh University  e os Edinburgh Academicals. E como diacho contrariá-los? Não há quem seja capaz de desmentir tais factos e também nunca apareceu alguém com notas convincentes sobre um desafio anterior. A verdade é que, mesmo que sendo um ramo do football association, foi o rugby que obrigou o nosso futebol tal e qual o conhecemos a tomar uma posição de força com o aparecimento, em 1863, da The Football Association, que trouxe para o papel a proibição de carregar a bola com as mãos, abater adversários à conta de agarrões, fazer bloqueios coletivos e por aí fora. Com tais distinções regulamentadas podemos agora apreciar ambos os desportos com a beleza tão característica de cada um deles.

Sem necessidade de comparações. São o que são.