O jovem Aníbal

O Aníbal era um jovem alegre, nada de ‘cara de pau’, aberto, bom estudante e grande desportista…

A publicação do seu recente livro e a entrevista concedida a este jornal, vieram colocar de novo a Aníbal Cavaco Silva na primeira página da atualidade fazendo-me recordar a parte da sua juventude que, com ele, alguns compartilhámos. Talvez não esteja a mais lembrar aos jovens, que agora o vêm como um venerável Senhor, que ele também o foi, com as mesmas ou parecidas ideias, preocupações e natural ambição de chegar longe e vencer na vida. Para os da província, continuar a estudar obrigava a ter de mudar-se para uma das grandes cidades, para os que vínhamos do ensino médio, Lisboa contava com o Instituto Comercial, o trampolim para chegar à universidade que era, para quase todos, o grande objetivo. Para entrar era preciso fazer um exame de admissão que constava de várias provas entre elas a de francês, quem examinava e presidia o júri era a Dra.Isabel, mãe e avó de duas das grandes figuras deste semanário, uma boa professora graças a quem aprendemos uma língua nova. Outro Saraiva. o António José, também entrou nas nossas vidas através da sua História da Literatura Portuguesa, um livro de estudo que assustava pelo seu volume mas que permitiu familiarizar-nos com um aspeto importante do nosso património cultural. O Aníbal era um jovem alegre, nada de ‘cara de pau’, aberto, bom estudante e grande desportista, com ele, depois de dois anos na Rua das Chegas, saltámos para a Rua do Quelhas, entrámos em Económicas onde havia os estudantes a tempo inteiro chamados ordinários e os voluntários, os que tínhamos um emprego, de manhã assistíamos às aulas práticas mas devíamos também estudar o que se dava nas teóricas pois os exames eram iguais para todos. Conseguir informação sobre essas matérias não era fácil mas os do grupo que morávamos em Campo de Ourique tivemos a sorte de encontrar no Aníbal o nosso anjo-salvador, ele também vivia no bairro e juntávamo-nos no Canas onde ele aparecia com os apontamentos que tínhamos que copiar à mão com ele a esperar, até altas horas, a que terminássemos. A ajuda que nos deu foi enorme e podia ter sido ainda muito maior se, algo que ele imaginou, tivesse dar o resultado que esperava. Numa dessas noites apareceu com uma ideia que estava convencido que iria fazer com que ficássemos ricos.Com a ajuda dos seus bons conhecimentos de matemática, pensava ter encontrado a fórmula que nos permitiria ganhar o Totobola, conseguimos o financiamento para as apostas que era preciso fazer e arranjámos o tempo necessário para preencher as dezenas de boletins. A experiência durou umas semanas, não funcionou e tivemos que desistir, desiludidos mas agradecidos ao Aníbal pela sua mostra de solidariedade, podia ter guardado o segredo para ele mas preferiu compartilhar com os amigos os eventuais lucros que, de terem aparecido, teriam sido muito importantes para nós. Cada um com o seu esforço, todos mais ou menos conseguimos o que conseguimos sem nos podermos queixar do que nos deu a vida, de entre todos,com muita diferença o Aníbal foi o que mais longe chegou, na altura nenhum de nós podia imaginar que no Canas, entre bica e bica e à falta de êxito no Totobola, se estava a forjar um primeiro-ministro e Presidente da República, pela cabeça dele, talvez sim, algum sonho parecido tivesse passado.