Isenções Fiscais, Fim à vista

Carlos Lobo, ‘pai da medida’, lembra que vivemos num ‘ambiente de concorrência global’ e o fim dos benefícios fiscais para residentes não habituais vai beneficiar outros países.

O anúncio de António Costa do fim dos benefícios fiscais para residentes não habituais em 2024 caiu que nem uma ‘bomba’ e ganhou destaque nos jornais internacionais. Primeiro foi o Financial Times a destacar que “Portugal planeia abandonar uma controversa redução de impostos para estrangeiros que ajudou a atrair uma onda de chegadas de ricos ao país, mas que provocou uma crise imobiliária ao aumentar os preços dos imóveis”, depois foi a vez dos espanhóis que variam entre “Espanha ganha com o fim do oásis fiscal de Portugal” do Expansion ou ‘Os ricos preparam o regresso a Espanha depois de esgotar o oásis fiscal de Espanha’ do CincoDías.

Carlos Lobo, ex-secretário de Estado de Estado para os Assuntos Fiscais, e responsável pela criação deste regime lembra que estes benefícios foram criados numa situação de crise, em 2008/2009, em que era preciso reativar o mercado, nomeadamente o imobiliário que tinha caído com o subprime. “Sou o pai da criança se não a defender ninguém a defende. Este regime foi sempre de atração, que visava efetivamente potenciar as capacidades de Portugal e para atrair pessoas que considerássemos que eram de alto valor acrescentado, ao nível das profissões e também pensionistas porque nunca os consideramos como um passivo, mas como um ativo”, revela ao Nascer do SOL.

Em causa está a aplicação de uma taxa de 20% sobre rendimentos provenientes de atividades considerados de ‘alto valor acrescentado’ e uma taxa fixa de 10% sobre as pensões de origem estrangeira e uma isenção fiscal sobre rendimentos de origem estrangeira, incluindo pagamentos de rendas de inquilinos, se forem tributados no país de origem.

O ex-governante diz que, caso a medida avance, quem vai beneficiar com o seu fim são países como Espanha, Grécia, Itália, Chipre e até a Bélgica. “Vivemos num ambiente de concorrência global. Sempre tiveram inveja. Fomos os primeiros a criar e copiaram-nos, mas sem o mesmo sucesso”.

Carlos Lobo acredita que o Governo venha a recuar nesta decisão, não descartando, no entanto, a hipótese de ser alvo de alterações, tal como já aconteceu no passado. “Há três anos ajustámos a tributação das pensões e fui eu o primeiro proponente disso. Tínhamos um sistema de isenção total das pensões e propus uma tributação de 10%”, estranhando o timing deste anúncio, por entender que o Governo sempre foi defensor deste regime e governa com maioria absoluta. “É inaceitável, o Governo dar de barato o melhor regime de atratividade que alguma vez tivemos sem haver nenhuma contestação social a esse respeito, tirando o Bloco de Esquerda e o PCP. Passámos incólumes na geringonça e o PS que sempre defendeu intransigentemente o regime, ainda há dias o fez no Parlamento, agora anunciou isto. Acho que foi um excesso do voluntarismo do primeiro-ministro”.

E lamenta que as decisões sejam tomadas sem dados oficiais, recordando que os últimos números são de 2019 e, nessa altura, os residentes não habituais contribuíram com cerca de 80 milhões de euros em IRS. “Atualmente devem contribuir entre 150 a 200 milhões. Mas isso não é dito. E quanto é que os residentes não habituais pagaram em IMI e IMT? Ninguém sabe. Ou seja, existe toda uma série de dados que a Autoridade Tributária tem e que não são revelados, mas que importam analisar para se tomar uma decisão correta”.

Também Mafalda Alves, sócia do departamento fiscal da SRS, diz que o contributo deste regime “é inegável, e acabar significa pôr um travão a fundo neste crescimento da economia a que assistimos”. Ao nosso jornal, lembra que temos assistido à criação de muitos empregos em Portugal e em várias áreas. “Por exemplo, no setor tecnológico contribuiu para a criação de um ecossistema de startups de referência em Portugal. Isto permitiu-nos atrair talentos de todo o mundo, inclusive os portugueses que saíram do país e que estão a voltar, porque o regime não se aplica só aos estrangeiros também se aplica aos portugueses que decidam voltar para Portugal”.

A responsável lamenta ainda que estejamos em contraciclo, já que muitos países europeus, nomeadamente Espanha e Itália, estão a apostar nestas medidas. “Todos os países estão a tentar criar regimes que sejam suficientemente competitivos para fazerem esta migração para os seus países. Nós que tínhamos um regime que estava a funcionar em velocidade cruzeiro e que estava a gerar receita fiscal, com contribuições para a Segurança Social e a estimular o desenvolvimento e o crescimento da economia, decidimos acabar com ele”. E não hesita: “Se o Governo acabar com o regime é preguiçoso, porque não avaliou os seus impactos, nem ponderou uma eventual alteração do regime. Está simplesmente a decidir acabar com ele sem pensar nas consequências”.