Guilherme Valente deixa Gradiva ao fim de 42 anos

Fundou a prestigiada editora em 1982, fazendo uma aposta forte na ciência. A coleção ‘Ciência Aberta’, que vai em cerca de 250 títulos, tornou-se uma referência absoluta.

Ao fim de 42 anos ao leme da Gradiva, Guilherme Valente anunciou no início desta semana a sua saída da editora. «Deixei realmente e formalmente de ser o editor da Gradiva», escreveu no Facebook. No mesmo post, curto e direto, revelou que passou o testemunho à sua sobrinha. «A NOVA EDITORA É A HELENA VALENTE RAFAEL».

Nascido em Leiria em 1941 e licenciado em Filosofia, Guilherme Valente fundou a Gradiva em 1981, encorajado por Adérito Sedas Nunes, com quem trabalhou de perto no Gabinete de Investigações Sociais/Instituto de Ciências Sociais, e que considera seu mestre. Antes já passara pela Europa-América, onde aprendeu o ofício com Francisco Lyon de Castro, e pela D. Quixote. Costuma citar George Steiner, que dizia que «o editor é como um professor que chega a mais gente».

Desde a primeira hora que a Gradiva deu cartas na publicação de livros de ciência, a começar pelas obras de Carl Sagan e Stephen Hawking, a que se seguiram nomes como Richard Feynman e Richard Dawkins. A coleção ‘Ciência Aberta’, atualmente dirigida pelo físico Carlos Fiolhais, tornou-se uma referência absoluta neste domínio.

Mas a influência da editora tem-se feito sentir em muitas outras áreas: na filosofia (publicou, por exemplo, Uma Nova História da Filosofia Ocidental, de É comendador e grande-oficial da Ordem do Infante D. Henrique), na história (Daniel J. Boorstin), no ensaio (George Steiner, Umberto Eco, Eduardo Lourenço, António José Saraiva), na ficção (Ian McEwan, Kazuo Ishiguro), no infanto-juvenil (Capitão Cuecas e Bruxa Mimi) e na BD (Calvin e Hobbes), que continua a ser uma aposta da Gradiva.

Outro nome forte da editora foi o jornalista José Rodrigues dos Santos, autor de vários bestsellers que renderam receitas avultadas à Gradiva ao longo de mais de duas décadas. Mas em maio de 2022 Rodrigues dos Santos ‘transferiu-se’ para a Planeta, continuando porém a antiga editora a deter os direitos dos seus livros anteriores à mudança.

Uma das figuras que já reagiram à saída de Guilherme Valente foi o também editor Manuel S. Fonseca, da Guerra & Paz. «Serás sempre o editor (o grande editor) da Gradiva: para os leitores que tu ‘ensinaste’ a ler, os leitores que soubeste ‘cativar’, como o Principezinho faz à Raposa no deserto».

Além dos livros e da filosofia, Guilherme Valente é um apaixonado e um profundo conhecedor da China e da cultura chinesa, resultado de ter vivido em Macau, onde esteve pela primeira vez quando fez a tropa, como alferes, e onde se casou.

Atualmente, continua a participar ativamente nos grandes debates atuais sobre o racismo, a educação, as questões de género e a responsabilidade dos europeus na escravatura, entre outros, não se abstendo de assumir posições politicamente incorretas.

Foi condecorado por dois Presidentes da República – é comendador e grande-oficial da Ordem do Infante D. Henrique – e venceu a primeira edição do Prémio Ciência Viva. Muito crítico do acordo ortográfico, a Gradiva publica os livros segundo as regras da antiga grafia.