Râguebi. Um feito histórico e um mundial para recordar

Portugal venceu as Fiji num jogo bastante sofrido.Tão importante quanto a primeira vitória é ter a certeza de que esta equipa tem potencial para continuar a surpreender. Estes Lobos são do melhor que há.

Há um antes e um depois desta presença de Portugal no Campeonato do Mundo de râguebi, que se está a realizar em França. Prova disso foi a histórica vitória (24-23) sobre as Fiji, oitava no ranking mundial, que se qualificou sem glória para os quartos de final ao beneficiar de um ponto de bónus defensivo, por ter perdido por menos de sete pontos. Foram 80 minutos de muito suspense, tensão e reviravoltas no marcador, perante uma das grandes potência mundiais, e que confirmaram a evolução do râguebi português. A conhecedora imprensa inglesa e francesa rendeu-se ao râguebi total e sedutor dos Lobos, e houve mesmo quem tivesse considerado a presença portuguesa uma lufada de ar fresco no Mundial.

Pela primeira vez, os Lobos ganharam uma partida num Mundial, feito que peca por tardio, tendo em conta a qualidade do seu jogo. Portugal (16.º no ranking mundial) ficou num dos grupos mais fortes, com País de Gales (7.º), Fiji (8.º), Austrália (10.º) e Geórgia (13.º). Mesmo assim conseguiu uma vitória e um empate e ficou à frente da Geórgia no grupo.

As derrotas não servem de consolação, mas perder por 20 pontos de diferença frente ao País de Gales, numa partida onde o VAR anulou dois ensaios aos portugueses, só mostra que a seleção fez um bom trabalho. Aconteceu o mesmo frente à Geórgia, onde o empate soube a pouco, pois os Lobos falharam um pontapé de penalidade a poucos segundos do final. Já frente à pior Austrália de sempre, a derrota (34-14) não tirou brilho à exibição da seleção, até porque o árbitro georgiano (a Geórgia estava no mesmo grupo de Portugal e era parte interessada neste jogo) deixou os australianos usarem e abusarem do jogo violento, quase a roçar a agressão. A seleção que foi duas vezes campeã do mundo acabou eliminada e a viagem para o outro lado do mundo vai ser um pesadelo.

Naturalmente que Portugal cometeu erros básicos, foi precipitado em determinados momentos do jogo e pecou na eficácia perto da linha de ensaio, comportamentos próprios de um ‘15’ que estava a disputar o seu primeiro campeonato do mundo, com metade do plantel formado por jogadores que têm outras profissões, caso do médico dentista Tomás Appleton, do estudante universitário Jerónimo Portela, do engenheiro João Granate ou do consultor de seguros Nuno Sousa Guedes. Todos eles interromperam a sua atividade durante quatro meses para poder representar Portugal.

Para a história Portugal venceu a partida onde menos se viu a beleza do seu râguebi, muito por culpa das Fiji, que praticaram um jogo muito físico e anárquico, foi impressionante a quantidade de passes falhados e faltas cometidas pela equipa do Pacífico Sul que, no início da competição, foi apresentada como a grande revelação. A primeira parte foi um jogo estranho e acabou empatada (3-3). No segundo período, os Lobos mostraram maior rigor tático, sobretudo a defender – foi notável o esforço da última linha de Portugal perante um adversário que impunha a sua força – e por duas vezes deu a volta ao resultado; a última reviravolta aconteceu a dois minutos do fim, com o ensaio e respetivo pontapé de conversão. Nunca antes Portugal tinha conseguido três ensaios num jogo do campeonato do mundo, o que foi concretizado por Raffaele Storti, Francisco Fernandes e Rodrigo Marta.

Para fechar em beleza, Nicolas Martins foi eleito o melhor jogador em campo. “É um momento histórico, estou muito feliz. Somos um grupo de amigos de Portugal, vivemos todos juntos, é algo incrível”, declarou. O jogo foi equilibrado, as Fiji tiveram maior posse de bola (54% contra 46%) e percorreu mais metros no ataque com bola (737 contra 558 ), Portugal foi superior nos tackles ganhos (171 contra 90) e nos turnovers ganhos (9 contra 7), o que mostra como os Lobos foram bravos a defender a linha de 22 metros.

No final da partida, Patrice Lagisquet estava emocionado e feliz. “É incrível. Eles encontraram recursos que eu não contava. Esta capacidade de marcar é fantástica. Claro que trabalhámos muito para conseguir este desempenho, mas ao fim de quatro anos estes jogadores ainda me conseguem surpreender. É um grupo incrível, com jogadores realmente talentosos”, disse ainda o selecionador. “Tenho muita sorte de poder treinar uma equipa como esta. Tenho muita sorte de terminar com esta vitória, é um grande momento”. Portugal recebeu sempre grande apoio dos adeptos, o que impressionou Lagisquet: “Eles foram fantásticos. Apoiaram sempre a equipa, ainda os ouvimos. Eu amo-os”, disse emocionado ainda no relvado.

A boa exibição de Portugal foi reconhecida por Simon Raiwalui, selecionador da Fiji: “Parabéns a Portugal, que jogou muito bem. Eles resistiram quando tiveram a vantagem e merecem a vitória”. Numa atitude de fairplay, o treinador dirigiu-se ao balneário dos Lobos para felicitar os jogadores e entregar um saco com lembranças da sua seleção. Até nisto o râguebi é diferente.

Portugal fechou a sua participação no Mundial com uma inédita vitória e prepara-se para entrar num novo ciclo. Patrice Lagisquet fez o último jogo como selecionador, vai voltar para França e dedicar-se à sua empresa de seguros, isto se não mudar de ideias, e há também pesos-pesados da seleção que pensam encerrar a carreira a nível internacional, caso de Mike Tadjer. Os Lobos também descansam. Os responsáveis da Federação Portuguesa de Rugby afirmaram que o futuro está a ser acautelado com vista a garantir o apuramento para o Mundial da Austrália em 2027. Antes de partir, Patrice Lagisquet sublinhou que Portugal precisa de uma seleção de râguebi mais profissional e que, nos próximos quatro anos, deve realizar jogos contra nações que costumam jogar no ‘tier’ 1″.

Sem margem de erro Terminada a fase de grupos, estão definidos os jogos dos quartos de final, que se realizam no próximo fim de semana. No sábado, o País de Gales defronta a Argentina (jogo 1) e a Irlanda, vencedora do Torneio das Seis Nações, joga com a Nova Zelândia (jogo 2). No dia seguinte, a Inglaterra defronta as Fiji (jogo 3) e a França mede forças com a África do Sul (jogo 4). Nas meias-finais, o vencedor do jogo 1 defronta o vencedor do jogo 2, e o vencedor do jogo 3 joga com o vencedor do jogo 4. Os jogos disputam-se a 20 e 21 de outubro.