Há certos nomes que suscitam no leitor bem informado uma desconfiança imediata, se não mesmo um sorriso de condescendência. Falamos de Paulo Coelho, de Dan Brown, de Nicholas Sparks… em suma, de autores cuja fortuna crítica (e não só) é inversamente proporcional à sua popularidade. Danielle Steel faz parte deste lote restrito.
Mas a norte-americana, que este ano cumpre meio século de carreira literária, pertence a um clube mais exclusivo ainda: acaba de atingir a marca dos mil milhões de exemplares vendidos. Mais do que Paulo Coelho (320 milhões) e J. K. Rowling (600 milhões) juntos. «Um autor que vende mil milhões de exemplares é um autor absolutamente esmagador, obriga-nos a fazer a nossa vénia», declarou recentemente Eduardo Boavida, diretor editorial da Bertrand, que publica os livros de Steel desde 1995.
Mil milhões: um número destes não surge por acaso, e certamente não se alcança sem esforço. Como um malabarista capaz de manter várias bolas no ar sem deixar cair nenhuma, Steel trabalha em quatro ou cinco romances em simultâneo. Para isso, sujeita-se a uma disciplina férrea. O seu dia começa às 8h30 da manhã à secretária, às vezes ainda em camisa de dormir, com uma torrada e um descafeinado com gelo. Usa uma máquina de escrever Olympia de 1946 e chega a trabalhar 20 ou 22 horas consecutivas. «Só me vou deitar quando estou tão cansada que podia adormecer no chão», confidenciou à revista Glamour em 2019. Steel significa ‘aço’ e a sua resistência faz jus ao apelido. «Se dormir quatro horas já considero que foi uma boa noite de sono».
Produzindo prosa a um ritmo avassalador, chega a publicar sete romances por ano – desde o primeiro, em 1973, já lá vão cerca de 200 títulos. «Cada livro começa com uma imagem, personagem ou situação qualquer que me diz muito», revelou ao Reader’s Club. «Ao longo de semanas, meses – é um longo processo! – de tirar apontamentos e de escrever cenas, fico imersa neste mundo». E que mundo é esse? De uma forma geral, famílias ricas em momentos de crise – duas realidades que a autora conhece bem.
Mãe portuguesa
Nascida em berço de ouro, em Nova Iorque, o seu pai, John Schuelein-Steel, era o herdeiro da Löwenbräu, a famosa marca de cerveja alemã cujas origens se perdem na Idade Média. A mãe, Norma da Câmara Stone Reis, embora nascida em Cambridge, era portuguesa, filha de um diplomata açoriano – mas deixou a família quando a filha tinha apenas seis anos.
Danielle, que acabou por ser criada pelo pai, em pequena sonhou ser freira – mas a sua vida viria a desenrolar-se nos antípodas disso. Teve cinco casamentos, o primeiro dos quais aos 18 anos, e sete filhos. Quanto à castidade, estamos conversados. Quanto ao voto de pobreza, nem se fala: movimentou-se desde pequena na alta sociedade e os seus livros renderam-lhe centenas e centenas de milhões. Em vez do convento, hoje reparte a sua vida entre uma mansão histórica de 55 quartos em São Francisco, Califórnia, e um luxuoso apartamento em Paris.
Completou o ensino secundário no Liceu Francês de Nova Iorque e estudou design tipográfico e design de moda na universidade. Enquanto trabalhava numa agência de comunicação, um cliente que leu os seus textos aconselhou-a a dedicar-se à escrita.
Prática não lhe faltava. Durante a adolescência dedicava-se à poesia e aos 19 anos já tinha escrito um livro, mas só sete anos depois, em 1973, publicou Going Home.
Danielle & danny, uma dupla explosiva
Steel descreveu o tema desse seu primeiro romance em poucas palavras: «Todas as mulheres se apaixonam pelo menos uma vez na vida por um sacana». A quem se referia? O seu primeiro marido, Claude Eric Lazard, era um milionário e banqueiro franco-americano dez anos mais velho do que ela. Em 1972, ao fim de oito anos de união, talvez cansada de uma vida demasiado fácil e confortável, separou-se dele.
Nesse mesmo ano, a escrita de uma reportagem sobre objetores de consciência – a guerra do Vietname durava há já 17 anos – levou-a a uma penitenciária na Califórnia, onde conheceu um jovem alto e louro de 22 anos com raízes bem diferentes das suas. Danny Zugelder quase não tinha conhecido o pai, um bêbedo que tinha abandonado a família quando ele tinha três anos, e rapidamente se metera por maus caminhos.
«Aos 13 anos, Danny já se dedicava à bebida, a roubar carros e a assaltos. Aos 17, começou a fazer assaltos a bancos; três anos e oito golpes depois, foi preso e mandado para a prisão de Lompoc», conta a People. «Quando descobriu que eu era assaltante de bancos, ela começou a rir e a falar. Acho que a excitou saber que eu era esta pessoa perigosa mas simpática e agradável», afirmou Zugelder à revista.
Ao fim de quatro meses de namoro à distância, as visitas da escritora à penitenciária tornaram-se semanais. «Ela e Zugelder faziam piqueniques no relvado com outros reclusos e, no que Zugelder descreve como uma ‘manobra militar bem planeada’, conseguiram que outros reclusos fizessem de sentinelas para o casal poder desfrutar da sua primeira relação sexual numa casa de banho feminina na sala das visitas», continua a People.
Zugelder, que viria a sair em liberdade condicional em 73, revelava: «A Danielle era muito lasciva. Lembro-me de à hora almoço dispararmos para o escritório dela e trancarmos a porta. Fazíamos sexo em restaurantes… em toda a parte».
Durante o dia ela trabalhava numa agência de publicidade, de noite fechava-se no quatro a bater as suas histórias na velha máquina Olympia. Ele, por sua vez, sentia-se fora do seu meio – as diferenças de origem social não ajudavam à harmonia no casal. Refugiou-se na bebida e nas drogas e em 1974 voltou a ser preso por roubar e atacar sexualmente uma mulher. A escritora apoiou-o e pagou as despesas com o advogado. Em 1975 casaram-se na cantina da prisão.
Cinco casamentos e um funeral
O casamento com Danny Zugelder foi para a menina bem-nascida e habituado à alta sociedade uma aventura e peras – e, como a maioria das aventuras, não durou muito. No dia a seguir a estarem oficialmente divorciados, corria a primavera de 1978, ela casou-se de novo. Estava com uma gravidez avançada de William George Toth, um antigo toxicodependente. A 1 de maio, após um parto longo, complicado e doloroso, nasceu o seu segundo filho, Nick, mais tarde vocalista da banda punk Link 80.
Steel diz que nunca escreve sobre a sua vida nem sobre as pessoas que conhece. Talvez não passe de uma defesa. O facto é que Zugelder a acusou de ter escarrapachado a história dele no seu segundo e terceiro romances. À People, disse não suportar os livros da ex-mulher: «São tão piegas e fúteis».
Mas a grande maioria não pensa assim. No final da década de 70 e início da seguinte, os livros de Steel começaram a conquistar leitores de forma imparável. Em 1981, ano de novo divórcio, tornou-se uma presença assídua na lista de bestsellers do The New York Times e em 1989 teve direito a uma entrada no Livro de Recordes do Guinness por ser a autora com a mais comprida presença nessa lista: 381 semanas consecutivas. Vários dos seus livros deram origem a séries de TV, o que só engrossava os proventos da escritora.
O quarto casamento, com o vinicultor John Traina, foi o mais longo e fecundo: 17 anos de ligação, entre 1981 e 1998, e cinco filhos. Entretanto, o dia 20 de setembro de 1997, ficou marcado pela tragédia: o seu filho Nick, o cantor punk, que sofria de bipolaridade, suicidou-se com uma overdose de morfina.
Danielle, que fora educada no catolicismo e aderira à cientologia, apoiou-se na religião. Para conseguir suportar a perda ia à missa duas vezes por dia. E escreveu um livro sobre aquele «rapaz extraordinário com uma mente brilhante, um coração de ouro e uma alma torturada».
Como vinha sendo já tradição, no ano em que se divorciou de Traina, a escritora voltou a casar-se, desta vez com Thomas Perkins, um homem de negócios. Foi o seu quinto e último casamento. Durou até 2002.
Um zoo de animais embalsamados
Danielle Steel começou a ser publicada em Portugal em 1980, pelo Círculo de Leitores. «Não vendeu grande coisa», recordou a editora Guilhermina Gomes, que hoje lidera a Temas & Debates, na rentrée do Grupo Bertrand Círculo, no início de setembro. Para promover a escritora, que já era uma autêntica máquina de fazer dinheiro noutros países, foram feitas brochuras a explicar quem era Danielle Steel. «Fizemos uma série de seis livros, e a partir daí ela não parou de ser favorecida pelos leitores». A editora aproveitou ainda ocasião para contar um episódio invulgar: «A Danielle Steel tem um apartamento absolutamente monumental na Avenue Foch, e convidou os seus editores europeus para um cocktail. Uma mulher pequenina, com umas asas de borboleta. Chegámos, e à porta daquele enormíssimo apartamento estava um homem alto que parecia um escravo núbio. Olhei por cima dele e vi uma girafa. Uma girafa no hall daquele apartamento monumental! Pensei ‘isto é uma obra de arte, uma escultura, uma peça em madeira maravilhosa’… Fomos cumprimentar a Danielle Steel, a agente literária dele e os nossos colegas. E começámos a ver uns bichos. Ao canto estava um tigre, e por cima uma enorme fotografia do tigre. O que era aquilo?! A girafa, o tigre, macacos nos beirais das janelas…».
O luxuoso apartamento revelou-se um pequeno jardim zoológico de animais embalsamados. Afinal, até a escritora de aço tem direito às suas fraquezas.