Gouveia e Melo acusado de estar a afundar a Marinha

O homem que os portugueses querem ver na Presidência da República está em baixa entre os seus comandados. As elevadas expectativas de que pudesse reabilitar o ramo caíram por terra. E a debandada é geral.

A situação é grave e começa a ter consequências. À crónica falta de meios na Marinha, vem agora juntar-se o ‘desalento e a desmotivação’ causados por uma situação esta semana assim resumida ao Nascer do SOL por uma alta patente: «A desmotivação é geral e quando alguém alerta para o problema é logo demitido, sem qualquer processo, tipo Putin». 

A acusação tem como alvo o almirante Gouveia e Melo, chefe de Estado Maior da Armada (CEMA), que ainda esta semana surgiu numa sondagem como o preferido dos portugueses para suceder a Marcelo Rebelo de Sousa. Se os eleitores fossem o universo do pessoal da Marinha, este não seria de certeza o resultado. Relatos e documentos que chegaram esta semana ao nosso conhecimento dão conta de procedimentos prepotentes, demissões e exonerações sempre que alguém dá conta das dificuldades que se vivem no interior deste ramo das Forças Armadas.

Em causa está não só o mau estado do equipamento, particularmente dos navios, mas também o cansaço e os baixos salários. Ao que apurámos, não há disponibilidade para ouvir as queixas e qualquer manifestação de incómodo tem como consequência punições e afastamentos. O ambiente está a ficar de tal forma degradado que começam a transpirar relatos do que devia ficar dentro de portas.

Quem se queixa é afastado

Ao que o Nascer do SOL apurou, os acontecimentos do Mondego – no qual  13 marinheiros se recusaram a embarcar, contrariando as ordens de comando, por considerarem que o navio não tinha condições para operar – não foi um caso isolado.

Antes pelo contrário, há cada vez mais relatos a dar conta de briefings acalorados, sempre com um desfecho comum: quem se queixa das frágeis condições em que os navios  estão a operar, quer do ponto de vista técnico, quer do ponto de vista humano, é afastado.

Ainda na semana passada, o comandante da Esquadrilha de Navios de Superfície (ENSUP) foi exonerado, por, na passada quinta-feira, no briefing com o comandante naval, ter alertado para o facto de «os navios andarem a navegar a bordadas e em risco de acontecer alguma coisa grave porque o pessoal anda cansado». Na resposta, o comandante naval terá dito em tom exaltado que quer «soluções e não problemas». Poucas horas depois, o comandante da ENSUP foi exonerado.

Ao que apurámos, também o administrador naval do Departamento Marítimo do Norte terá sido afastado de funções recentemente.

Estes acontecimentos estão a levar a um crescente mal-estar no seio da Marinha.

Às precárias condições do material e à falta de pessoal, soma-se agora um ambiente de censura e imposição.  «O problema é antigo e tem-se agravado e, perante a falta de soluções, Gouveia e Melo toma a atitude para que foi treinado:_a missão é para se cumprir, seja em que circunstâncias for».

As nossas fontes dizem que o almirante não quer que o seu mandato seja conotado com o colapso da Marinha e, por isso, o CEMA recorre à disciplina militar, para evitar que os problemas internos tenham consequências na ação operacional, parecendo ignorar o que é considerado como «uma grave negligência do Governo perante a degradação acelerada das condições de operação da Marinha».

Saídas em modo acelerado

O ambiente tenso, o cansaço, a falta de pessoal e os baixos vencimentos estão a levar muitos oficiais, sargentos e praças a pedir o abate aos quadros.

É uma debandada que começa a levantar grande preocupação, até porque «não são oferecidas condições de atratividade para que os jovens decidam ingressar na Marinha e assim possam reforçar os quadros».

Entre as saídas, há quem o queira fazer deixando claro por que o faz. O Nascer do SOL teve acesso a uma carta de despedida enviada a Gouveia e Melo que é sintomática do estado de espírito vigente: «Tentarei encontrar palavras que descrevam o que o meu coração e a minha alma sente. E a si lhe digo que se alguém podia fazer algo pela nossa Marinha era o senhor. Mas escolheu apenas cumprir missões sem olhar a meios para atingir fins. Escolheu ser chefe e não líder, escolheu vender uma imagem fresca e sólida por fora, mas seca e podre por dentro». Na hora da despedida, o cabo demissionário deixa mais recados a Gouveia e Melo: «A Marinha não precisa de palavras bem ditas, pois essas não resolvem problemas. Sempre ouvi dizer que o exemplo vem de cima, mas não penso que aqui se aplique. Exemplo seria ter atitudes e lutar por nós. Ouve-se tanto, mas vê-se tão pouco, tantas ideias que não são possíveis de realizar, não são realistas para a Marinha que temos. Falam em recrutamento, mas nada sabem fazer para ter condições para os que cá andam, quanto mais para os jovens seguirem o caminho das forças armadas».

Todas as fontes contactadas pelo nosso jornal ao longo da semana acreditam que as coisas estão a chegar a um ponto de rutura e apontam Gouveia e Melo, neste momento, como parte do problema. 

raquel abecasis@nascerdosol.pt