Montenegro até 2026

Luís Montenegro foi eleito para um ciclo político de quatro anos, não foi para se deixar condicionar por eleições regionais em que não tinha nada que se ter metido, nem por europeias para as quais tem é de arranjar um bom candidato em vez de estar com medo do resultado.

Em política, as previsões e os exercícios de adivinhação valem o que valem. Como as sondagens. Há menos de dois anos, António Costa foi reeleito com maioria absoluta e logo na tomada de posse viu o Presidente da República avisá-lo de que a sua eventual saída para a Europa (para um cargo como o de presidente do Conselho Europeu) implicaria a interrupção do mandato e a convocação de eleições antecipadas. O aviso ficou e durante semanas discutiram-se os cenários possíveis caso essa viesse a ser a vontade do primeiro-ministro reempossado e para tanto reunisse as demais condições. 

Com uma sucessão impressionante de casos e de escândalos envolvendo membros do Executivo, de ministros a secretários de Estado, passando por adjuntos, assessores, chefes de gabinete ou até de outros que não chegaram a sê-lo, mais se fortaleceram as teses de que o terceiro Governo de António Costa estava condenado a não chegar a 2026.

E se a descoordenação e o descontrolo politico no Executivo pareciam ser já insustentáveis, ainda conseguiu bater mais no fundo, já depois da saída do assumido pretendente à sucessão de Costa, com as cenas que chegaram a ser de pancadaria entre membros do seu Ministério entregue a um até aí também seu seguidor.

Ao ponto de o Presidente da República, em choque frontal com um primeiro-ministro que ousou recusar a substituição publicamente exigida do ministro ferido de morte, convocar um Conselho de Estado para análise da situação política do país.

Só que de um mês para o outro e de uma parte desse Conselho de Estado para a outra, com férias grandes de permeio, tudo mudou.

Já ninguém sequer se lembra da comissão de inquérito que era suposto dar ao PR os argumentos de que precisava para mandar abaixo o Governo e convocar novas eleições, não voltou a falar-se de ‘casos e casinhos’ e os holofotes, agora, redirecionaram-se para a oposição e para a inexistência de uma alternativa consistente.

Por ironia do destino e demérito próprio, o líder da Oposição saiu mais fragilizado de umas eleições regionais na Madeira em que o PSD obteve mais uma arrasadora vitória (ao fim de 50 anos no poder) e em que o PS sofreu uma devastadora derrota.

Em entrevista à CNN-Portugal, Luís Montenegro veio entretanto esclarecer que voltará a concorrer à liderança do PSD mesmo que perca as próximas eleições europeias.Fez mal. Não tinha nada que o fazer. Porque dá um sinal de fragilidade.

A questão, para ele, nem devia colocar-se. Quando foi eleito presidente do partido, nas diretas com Rui Rio, Montenegro concorreu na base de que teria de enfrentar um ciclo de quatro anos na oposição – tanto assim que espalhou pelo país cartazes com o horizonte temporal de 2026. E não de 2023, 2024 ou 2025.

Com um Governo PS assente numa maioria absoluta recém-conquistada, 2026 era, e continua a ser, o horizonte temporal para as atuais lideranças partidárias e respetivas estratégias.

Salvo qualquer acontecimento que terá de ter-se sempre como anormal, é esse o calendário e é essa a meta de todos os programas definidos e sufragados interna e externamente.

Claro que uma hecatombe eleitoral (nas europeias, por exemplo) poderá sempre consubstanciar um fator de rutura no ciclo enunciado ou no rumo definido.

Mas isso tanto para o partido na oposição como para o partido no poder.

Um líder não pode deixar-se condicionar assim.

Veja-se António Costa, que não dá margem para isso nem ao assumido pretendente ao seu lugar. 

Aliás, o próprio Pedro Nuno Santos, como o fez na sua estreia como comentador-entrevistado da SIC-Notícias, precisamente no mesmo dia em que Montenegro respondia à TVI , já vai acautelando que a questão da sua candidatura a secretário-geral só se colocará em 2026 (quando acabar este ciclo e mesmo que Costa entenda dever continuar – caso em que, obviamente, terá de concorrer contra ele, porque, nessa altura e para manter a ambição, terá mesmo de ir a jogo).

Ora, se o PSD quiser cuidar de não contribuir para a eternização do PS no poder, não pode continuar a funcionar como uma máquina trituradora de candidatos a primeiro-ministro, que nunca conseguirão afirmar-se como alternativa de Governo se nem sequer o partido conseguem dominar. É verdade que se perfilam outros pretendentes ao cargo e eventualmente até mais bem posicionados para apear os socialistas – como Carlos Moedas, depois de ter conquistado Lisboa. Mas este é o tempo de Moedas cumprir o seu compromisso com os eleitores lisboetas para poder ser reeleito com uma maioria reforçada e assim ganhar e consolidar a confiança do eleitorado da sua área política a nível nacional.

Enquanto isso, este é também o tempo de Luís Montenegro tentar construir uma solução para a alternância do Governo.

Se será ou não capaz, o tempo e as circunstâncias o dirão.

Mas é bom é que comece a fazer por isso, que é o essencial, em vez de continuar a deixar-se enredar com o que é acessório – como liderar o PSD sem ser alternativa ao PS ou cair em todas as armadilhas que os socialistas tão bem sabem montar (como o fantasma do Chega) no circo mediático em que controlam todos os protagonistas principais.