Em política, as previsões e os exercícios de adivinhação valem o que valem. Como as sondagens. Há menos de dois anos, António Costa foi reeleito com maioria absoluta e logo na tomada de posse viu o Presidente da República avisá-lo de que a sua eventual saída para a Europa (para um cargo como o de presidente do Conselho Europeu) implicaria a interrupção do mandato e a convocação de eleições antecipadas. O aviso ficou e durante semanas discutiram-se os cenários possíveis caso essa viesse a ser a vontade do primeiro-ministro reempossado e para tanto reunisse as demais condições.
Com uma sucessão impressionante de casos e de escândalos envolvendo membros do Executivo, de ministros a secretários de Estado, passando por adjuntos, assessores, chefes de gabinete ou até de outros que não chegaram a sê-lo, mais se fortaleceram as teses de que o terceiro Governo de António Costa estava condenado a não chegar a 2026.
E se a descoordenação e o descontrolo politico no Executivo pareciam ser já insustentáveis, ainda conseguiu bater mais no fundo, já depois da saída do assumido pretendente à sucessão de Costa, com as cenas que chegaram a ser de pancadaria entre membros do seu Ministério entregue a um até aí também seu seguidor.
Ao ponto de o Presidente da República, em choque frontal com um primeiro-ministro que ousou recusar a substituição publicamente exigida do ministro ferido de morte, convocar um Conselho de Estado para análise da situação política do país.
Só que de um mês para o outro e de uma parte desse Conselho de Estado para a outra, com férias grandes de permeio, tudo mudou.
Já ninguém sequer se lembra da comissão de inquérito que era suposto dar ao PR os argumentos de que precisava para mandar abaixo o Governo e convocar novas eleições, não voltou a falar-se de ‘casos e casinhos’ e os holofotes, agora, redirecionaram-se para a oposição e para a inexistência de uma alternativa consistente.
Por ironia do destino e demérito próprio, o líder da Oposição saiu mais fragilizado de umas eleições regionais na Madeira em que o PSD obteve mais uma arrasadora vitória (ao fim de 50 anos no poder) e em que o PS sofreu uma devastadora derrota.
Em entrevista à CNN-Portugal, Luís Montenegro veio entretanto esclarecer que voltará a concorrer à liderança do PSD mesmo que perca as próximas eleições europeias.Fez mal. Não tinha nada que o fazer. Porque dá um sinal de fragilidade.
A questão, para ele, nem devia colocar-se. Quando foi eleito presidente do partido, nas diretas com Rui Rio, Montenegro concorreu na base de que teria de enfrentar um ciclo de quatro anos na oposição – tanto assim que espalhou pelo país cartazes com o horizonte temporal de 2026. E não de 2023, 2024 ou 2025.
Com um Governo PS assente numa maioria absoluta recém-conquistada, 2026 era, e continua a ser, o horizonte temporal para as atuais lideranças partidárias e respetivas estratégias.
Salvo qualquer acontecimento que terá de ter-se sempre como anormal, é esse o calendário e é essa a meta de todos os programas definidos e sufragados interna e externamente.
Claro que uma hecatombe eleitoral (nas europeias, por exemplo) poderá sempre consubstanciar um fator de rutura no ciclo enunciado ou no rumo definido.
Mas isso tanto para o partido na oposição como para o partido no poder.
Um líder não pode deixar-se condicionar assim.
Veja-se António Costa, que não dá margem para isso nem ao assumido pretendente ao seu lugar.
Aliás, o próprio Pedro Nuno Santos, como o fez na sua estreia como comentador-entrevistado da SIC-Notícias, precisamente no mesmo dia em que Montenegro respondia à TVI , já vai acautelando que a questão da sua candidatura a secretário-geral só se colocará em 2026 (quando acabar este ciclo e mesmo que Costa entenda dever continuar – caso em que, obviamente, terá de concorrer contra ele, porque, nessa altura e para manter a ambição, terá mesmo de ir a jogo).
Ora, se o PSD quiser cuidar de não contribuir para a eternização do PS no poder, não pode continuar a funcionar como uma máquina trituradora de candidatos a primeiro-ministro, que nunca conseguirão afirmar-se como alternativa de Governo se nem sequer o partido conseguem dominar. É verdade que se perfilam outros pretendentes ao cargo e eventualmente até mais bem posicionados para apear os socialistas – como Carlos Moedas, depois de ter conquistado Lisboa. Mas este é o tempo de Moedas cumprir o seu compromisso com os eleitores lisboetas para poder ser reeleito com uma maioria reforçada e assim ganhar e consolidar a confiança do eleitorado da sua área política a nível nacional.
Enquanto isso, este é também o tempo de Luís Montenegro tentar construir uma solução para a alternância do Governo.
Se será ou não capaz, o tempo e as circunstâncias o dirão.
Mas é bom é que comece a fazer por isso, que é o essencial, em vez de continuar a deixar-se enredar com o que é acessório – como liderar o PSD sem ser alternativa ao PS ou cair em todas as armadilhas que os socialistas tão bem sabem montar (como o fantasma do Chega) no circo mediático em que controlam todos os protagonistas principais.