João Duque lamenta que o documento não contemple medidas para apoiar as empresas que defende serem o pilar do crescimento da economia portuguesa. Em relação às metas de crescimento para o próximo ano, o economista admite que as incertezas são muitas e questiona onde é que o ministro das Finanças “vai conseguir travar a despesa em caso de necessidade”. Quanto ao alívio fiscal que irá ser sentido pelas famílias ao final do mês devido à revisão dos escalões de IRS reconhece que será atenuado pelo aumento dos impostos indiretos. Mas reconhece que “os pensionistas vão ser os maiores beneficiados. O que podemos concluir? António Costa quer os votos dos pensionistas”.
Que análise faz da proposta do Orçamento do Estado para o próximo ano?
Há coisas bem, outras que não faria assim e, por isso, não estão bem. Mas primeiro tem de se começar pela análise do peso absurdo do Orçamento na vida dos portugueses e que, neste momento, é de 45,5% do PIB [Produto Interno Bruto]. Quando António Costa começou o mandato, no Orçamento de 2015 tínhamos um peso de 35% do PIB e a pergunta é: passando de 35 para 45% onde é que estão as melhoras? O que está melhor? Vejo as funções do Estado a desmoronar, vejo a saúde a não responder, vejo a educação a não responder, a justiça não melhorou.
Vemos vários setores quase paralisados…
Há greves em todo o lado. Gastamos cada vez mais dinheiro face àquilo que produzimos e o que é que melhorou? Que obras é que fizemos? Não há nada. O que sinto é que o dinheiro foi atirado para cima da areia e fugiu pelo meio dos dedos da mão. É uma sensação muito desagradável. É um peso excessivo sem existir contrapartidas. Essa é a minha versão geral do documento. Depois o documento contempla uma organização para a gestão da dívida, assim como objetivos ambientais e sociais que estão previstos. Também a função de redistribuição está lá, mas a função de planeamento e de promoção do crescimento económico aprofundado naquelas unidades que fazem este crescimento, que são as empresas e a economia em geral, não está lá presente.
Sente que as empresas estão esquecidas? Além dos benefícios fiscais que terão no caso de aumentarem os salários na ordem dos 5%?
Não existem medidas para as empresas. O Orçamento demite-se de uma função absolutamente fundamental que é essa e isso vê-se logo no sumário executivo. Se for ler o sumário executivo é uma página e mais um bocadinho, mas o documento não está vocacionado para as empresas.
Por isso é que a CIP não assinou o acordo…
O Orçamento não está vocacionado para o crescimento económico baseado nas empresas. O documento olha para as questões dos salários, do IRS, das famílias com menos poder de compra, etc., e depois foca uma coisa que é importante que é a gestão da dívida pública, mas um Orçamento que está equilibrado, em que a receita é igual à despesa e em que este peso, como falei há pouco, de 124 mil milhões que estão em cima do PIB português, é tudo à custa de receita. Não há aqui um gap que diga que este é um ano em que se vai gastar muito dinheiro, mas que a diferença vai ser paga ao longo de vários anos. Não, não vai ser um ano excecional, vai ser um ano de continuidade e o ano que vem muito provavelmente vai continuar acima deste.
E isso acaba por ser incoerente com o discurso de Fernando Medina que apesar de apontar para um crescimento da economia portuguesa, mas admite que há muitas incertezas e há risco de derrapar as metas previstas….
Pois há riscos e quero ver como é que o ministro das Finanças equilibra o Orçamento. Desde 2021 que vemos a despesa do investimento a cair, semestre após semestre há cada vez menos investimento, não há estimulo para as empresas investirem. Neste Orçamento há uma medida importante que é o estimulo à capitalização, mas é meramente financeira. Fora isso, não há praticamente nada. Há um acreditar que as empresas vão continuar a viver neste ambiente, agora é um Orçamento virado para algum aumento de consumo e em relação à procura externa, de alguma maneira, o Orçamento é feito em cima de um quadro macroeconómico que não considero demasiado otimista, mas também não acho pessimista, acho que é razoável o quadro dentro dos pressupostos que lá estão, mas estão dentro dos mínimos e dos máximos de outras agências que fazem as previsões.
No dia em que o Governo apresentou o Orçamento, o Fundo Internacional tinha divulgado um crescimento do PIB de 1,5%, igual ao do Executivo…
Os números não divergem, mas é um Orçamento que não muda a estrutura económica do país. Em 2022 assistimos a aumentos de remunerações, mas a taxa de crescimento da remuneração é inferior à taxa de crescimento dos trabalhadores. O que está a acontecer é que estamos a atrair trabalhado pouco qualificado e estamos a deixar a sair trabalho mais qualificado. Isso é dramático para Portugal.
E as medidas que estão previstas no IRS Jovem poderão mudar essa tendência?
Podem servir um bocadinho de travão, mas não vai travar significativamente esta alteração. Só se trava uma alteração destas se por acaso o tipo de orientação da economia for diferente. Temos uma economia vocacionada para serviços de baixo valor acrescentado, o que não permite dar boas remunerações aos seus trabalhadores. Tal como está, isso é uma impossibilidade, as empresas não conseguem nunca dar boas remunerações, nem sequer têm incentivos para o fazerem.
Em relação às famílias, a prometida redução da carga fiscal fica cumprida ou fica aquém do esperado?
A carga fiscal aumenta.
Pelo menos do lado dos indiretos…
Claro, vão aumentar muito mais os impostos do que o rendimento das pessoas. Coletivamente vamos pagar mais impostos, agora a forma de os pagar vai ser diferente. Quando se compara o crescimento dos impostos diretos com os indiretos…
Há uma ilusão fiscal…
Claro, o ganho por trabalhador para um casal que ganha dois mil euros por mês com um filho vai ser de 25 euros por mês, enquanto a de um pensionista será de 28 euros mensais. O que podemos concluir? António Costa quer os votos dos pensionistas. Estes pensionistas vão ganhar mais do que aqueles que estão a trabalhar. Claro que um casal que ganha mais vai ter uma maior poupança de IRS.
Mas esse “ganho” mensal em termos de IRS_depois poderá ser anulada por outras medidas, como o fim do IVA zero?
Esses escalões vão pagar mais no IVA, logo vão pagar mais impostos.
E acha normal que o Governo considere classe média quem ganhe 1300 euros por mês?
Portugal é assim, mas não devia ser. Isto é tudo reflexo de um país de miséria porque lá está: não conseguimos criar rendimento para se pagar como deve ser.
No seu entender que medidas deveriam estar contempladas no Orçamento?
Acho que o Governo se devia preocupar em estimular as empresas a criar valor. Agora não é assim que se faz. Isso não é maneira de trabalhar, não vejo um bom futuro para isto.
E aplaude o fim das cativações?
Acho bem, mas estou para ver onde é que Fernando Medina vai conseguir travar a despesa em caso de necessidade. É ele próprio que o afirma, no entanto, não é garantido que isto corra bem e vamos ver se com a guerra ainda não irá ficar pior. O que precisamos é de estímulos à economia para que esta crescesse e crescesse bem, de forma saudável, com empresas fortes que depois pudessem distribuir mais.
Sente que a proposta do Orçamento é uma oportunidade perdida tendo em conta que o Governo tem maioria absoluta no Parlamento?
Se há coisa que me causa uma impressão danada é o facto de não crescermos mais. O Governo não percebe isto? Tudo isto é um grande engano, é uma ilusão, uma ilusão enorme.