Foi recentemente aprovada pelo Parlamento a alteração ao Estatuto da Ordem Profissionais, bem como uma nova Lei dos Actos Próprios dos Advogados e Solicitadores. As alterações foram impostas pelo PS a toda a velocidade, sem praticamente debate algum, a pretexto de que não se poderiam perder verbas do PRR, que teriam sido condicionadas à aprovação desta lei. Não houve qualquer explicação sobre qual o montante em euros que estaria dependente de serem aprovada estas leis, mas suspeitamos que esse valor não deve andar muito distante dos trinta dinheiros de que falam as escrituras.
A legislação aprovada tem como único objectivo colocar a Ordem dos Advogados debaixo do controlo do poder político. Por esse motivo é instituído um Provedor dos Clientes para vigiar a actuação dos órgãos da Ordem dos Advogados, uma espécie de Diácono Remédios, estranho à Advocacia e que por tudo e por nada aparecerá a censurar as decisões dos órgãos democraticamente eleitos pelos Advogados. Da mesma forma são colocadas pessoas estranhas às Ordem dos Advogados nos seus órgãos disciplinares, privando assim os Advogados o direito ao julgamento pelos seus pares. Finalmente é instituído um Conselho de Supervisão, maioritariamente composto por pessoas estranhas à profissão, com amplas competências, o qual se destina mais uma vez a vigiar os órgãos eleitos pelos Advogados. Podemos dizer que, com estas alterações, deixou de existir democracia na Ordem dos Advogados, uma vez que os Advogados perderam o direito de eleger quem efectivamente os represente.
A situação dos Advogados é ainda especialmente agravada com a retirada da maior parte dos actos próprios da sua profissão, que fica praticamente reduzida ao mandato forense. Efectivamente a consulta jurídica passa a poder ser realizada por simples licenciados em direito. A elaboração de contratos passa igualmente a poder ser praticada, não só por licenciados em direito, mas também por sociedades comerciais, como sua actividade acessória. E a negociação tendente à cobrança de créditos pode ser efectuada por sociedades comerciais com esse objecto, sendo assim ressuscitado o célebre cobrador do fraque. Com tudo isto os tradicionais actos próprios da profissão de Advogado passarão a ser atribuídos a entidades sem quaisquer competências para o efeito, deixando os cidadãos altamente lesados. Mas ao mesmo tempo a profissão de Advogado ficará altamente desvalorizada, com a retirada de grande parte das competências exclusivas que até agora possuía.
Marcello Caetano escreveu que o Direito Público não é senão a limitação jurídica do poder político e que essa limitação só pode resultar da existência de outros poderes na sociedade para além do poder político. Este Governo e este Parlamento, com a complacência do Tribunal Constitucional, destruíram a tradicional independência que a Ordem dos Advogados sempre teve, incluindo durante o Estado Novo. Exige-se por isso que esta legislação aberrante seja rapidamente revogada. Quando fizer cem anos, a Ordem dos Advogados terá que ser a mesma instituição criada pelo Decreto 11.725, de 12 de Junho de 1926, onde nunca poderão ter lugar provedores e outras entidades externas destinadas a policiar os órgãos eleitos pelos Advogados.