Aumenta tensão em Moçambique com suspeitas de fraude nas eleições autárquicas

Filho de Samora Machel escreve carta a ‘camaradas’ acusando a FRELIMO de ‘atos anti-patrióticos’.

Os resultados oficiais declararam a vitória da FRELIMO nas eleições autárquicas do passado dia 11, arrecadando 64 de 65 municípios possíveis. A Beira foi a única região em que o partido no poder não conseguiu o primeiro lugar, conquistado pelo Movimento Democrático Moçambicano.

No entanto, as eleições foram marcadas por denúncias de irregularidades e a RENAMO convocou manifestações por todo o país em contestação do processo eleitoral. Pelo menos quatro tribunais distritais anularam o resultado das eleições, com destaque para dois na capital, Maputo.

A RENAMO, que chegou a declarar-se vencedora em Maputo, promete não descansar até que a justiça eleitoral seja restabelecida. O seu presidente, Ossufo Momade, apelou aos moçambicanos para que «(…) façam parte de uma demonstração geral de repúdio à fraude eleitoral» e acrescentou que «isto é o início de uma revolução em Moçambique».

A embaixada dos Estados Unidos em Maputo já afirmou que «há muitos testemunhos credíveis de irregularidades no dia da votação e durante o processo de contagem de votos».

A Comissão Eleitoral garantiu que «todos os membros envolvidos em práticas ilegais serão responsabilizados se houver provas».

O Movimento para a Mudança Democrática (MDM) também contestou os resultados. O líder do Partido, Lutero Simango, diz que vários membros do MDM «estão a ser perseguidos e presos».

Na cidade de Chokwé, na província de Gaza, onde a FRELIMO ainda é dominante, o Tribunal Judicial decidiu anular as eleições na autarquia devido à exclusão do Partido Nova Democracia do processo de fiscalização da votação. O Conselho Constitucional anulou o despacho e declarou-se o único órgão competente para anular escrutínios.

Machel Jr. acusa

As eleições também desencadearam acusações e tensões na província de Cabo Delgado, alvo de ataques terroristas desde 2017.

Samora Machel Jr. redigiu uma carta aos seus «camaradas» onde acusa a Polícia da República de Moçambique (PRM) de matar «quatro cidadãos (…) a bala (…) por conta de diferendos eleitorais». Este gesto pode significar uma cisão na FRELIMO, já que Machel Jr., filho do primeiro Presidente de Moçambique e atual membro da direção do partido, acusa a FRELIMO de «atos anti-patrióticos, profundamente antidemocráticos (…) que descredibilizam a marca FRELIMO perante o povo que (…) juramos lutar, libertar e defender». A carta acaba com um compromisso perante os moçambicanos: «A nossa nação e o nosso povo merecem um sistema democrático credível, sólido e confiável. (…) Sem democracia não há futuro para Moçambique».

A PRM já reagiu, anunciando que vai avançar com um processo contra Samora Machel Jr. por difamação, e, através do seu porta-voz Orlando Mudumane, negou ter assassinado as quatro pessoas que Machel menciona na carta: «A PRM lamenta, desmente e condena veemente as notícias postas a circular e que dão conta de quatro assassinados provocados pela polícia durante os protestos da Renamo contra a alegada fraude eleitoral em Chiúre». Ainda assim, um jovem de dezasseis anos foi fatalmente baleado pela polícia na região, que alegou ter sido um acontecimento «acidental» durante a tentativa de fazer dispersar os protestantes, avançou a Africanews. O Centro para a Integridade Pública garantiu também que a polícia abriu fogo contra multidões noutros municípios.

A erosão da popularidade e legitimidade da FRELIMO, no contexto de uma paz que permanece frágil, aumenta a possibilidade de tensões internas e repercute-se de forma negativa internacionalmente: Suíça, Canadá e Noruega expressaram, numa nota conjunta, a necessidade da prevalência do Estado de Direito no país.