A Direção Executiva do SNS tem o poder de “promover o desenho e a implementação das redes de referenciação hospitalar, incluindo o desenvolvimento de urgências metropolitanas e regionais”. É isto que determinam os estatutos da nova DE-SNS. Entretanto, o caos nas várias urgências hospitalares por todo o país vai-se agravando, ao ponto de Fernando Araújo ter alertado que novembro poderá ser o pior mês de sempre do SNS. A saturação da classe médica, que atingiu o seu ponto máximo e culminou neste caos, provocou um efeito dominó.
Os médicos recusam-se a trabalhar além das 150 horas extraordinárias obrigatórias e não estão dispostos a “mais trabalho extra sobre trabalho extra”.
No início do mês, sete serviços de urgência fecharam as portas – Barcelos, Chaves, Barreiro Montijo, Leiria, Guarda e Aveiro já tinham as especialidades das urgências encerradas – e os médicos avisaram que mais 25 podiam ser afectados se nada fosse feito. E têm sido. Só este fim-de-semana, em Braga, Aveiro e Santa Maria da Feira, a urgência de ginecologia e obstetrícia assim como os blocos de partos estão ou já estiveram encerrados. Os grandes constrangimentos no país dão-se nos serviços de urgência geral, urgência de pediatria, urgência de cirurgia, entre outros.
O caos anunciado
Mais um sinal alarmante do caos que se advinhava chegou do Hospital Pediátrico D. Estefânia. No passado sábado, João Espada, diretor de pediatria do centro hospitalar universitário Lisboa central (CHULC) – onde está integrado o D. Estefânia – relatou à Lusa que o hospital está a receber mais 100 crianças por dia em consequência do encerramento das urgências pediátricas em todo o país. Esta semana a situação deverá agravar-se gravemente nos próximos dias com o encerramento noturno da segunda maior urgência pediátrica do país: serviço de pediatria no hospital Fernando da Fonseca – Amadora/Sintra.
Assim, e perante o drama que se advinha, é consensual de que o problema base é a incapacidade em conseguir garantir os recursos humanos para que as urgências funcionem no país. Mas a verdade é que existe o problema imediato e o problema de fundo. O primeiro prende-se com a recusa dos médicos em fazerem mais horas extraordinárias nas condições em que fazem, sobre trabalho que já é extra. Sendo que o funcionamento dos serviços que vão encerrando e estancar o efeito dominó desta recusa que ameaça um inverno ainda mais caótico e dramático, depende da negociação entre os médicos e o governo sobre as condições remuneratórias e a revisão da carreira.
O segundo, o problema de fundo, exige – além de médicos empenhados e comprometidos – uma reestruturação do sistema. E sobre este o Governo tem como projecto criar equipas dedicadas aos serviços de urgência. Criar serviços de urgências tal como noutros serviços de outras especialidades onde existem equipas fixas. Um sistema a funcionar em alguns locais. Assim, a ideia é avançar até ao final deste ano com este modelo nos cinco maiores hospitais do país composto por equipas com médicos a trabalharem em exclusivo nos serviços de urgência. São eles os hospitais de São José, Santa Maria (em Lisboa); São João e Santo António (no Porto); Centro Hospital e Universitário de Coimbra.
As garantias do ministro O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, garantiu, aquando do anúncio desta medida, ao Público e à Rádio Renascença, que este modelo “vai facilitar o funcionamento da urgência e torná-la menos dependente das horas extra dos médicos que manifestamente são uma das dificuldades”. E explicou o conceito: “São equipas multiprofissionais, com um certo nível de auto-organização pelos próprios profissionais e com um modelo de remuneração com três componentes: remuneração-base, suplemento (que será o suplemento da dedicação plena) e uma componente de índice de atividade de remuneração associada ao desempenho”. Este sistema de urgência metropolitana está implementando na área do Porto há cerca de 10 anos e passa pela concentração das urgências de especialidades como Psiquiatria, Oftalmologia e Gastronterologia num único hospital, num esquema de rotatividade.
Atrasos preocupantes
Mas o cepticismo sobre a implementação do projecto já no próximo ano, não demorou. O anúncio da intenção de criar equipas fixas data do início ano mas só agora foi anunciado, e este atraso só por si já levanta dúvidas uma vez que nada foi preparado ou apresentado até à data. Além disso, a equipas fixas serão integradas no âmbito da criação do Centros de Responsabilidade Integrados (estruturas de gestão intermédia, dependentes dos conselhos de administração dos hospitais) – um modelo “inspirado” no modelo das Unidades de Saúde Familiar (USF) – que o Governo planeia generalizar em todo o país.
Mas como e em que condições? Roque da Cunha, secretário-geral do sindicato independente dos médicos avisou na CNN que “é preciso legislação, debate, que o sistema seja atrativo, encontrar saídas para os médicos que depois dos 50-55 anos não sejam obrigados a ficar até a idade de reforma na urgência”. Acrescentando que esta ideia “é um wishful thinking, é uma intenção, mas se [o Ministério da Saúde] não tem nenhum trabalho elaborado para novembro, dificilmente a 1 de janeiro estará implementado [o modelo da criação de equipas dedicadas]. Era essencial que se passasse do anúncio à prática, cada dia que passa a situação piora”. Mais uma vez, o tempo dirá se o Governo e Fernando Araújo terão tempo e condições para negociar, planear, legislar e implementar mais uma reforma dentro de outra reforma estrutural e numa altura tão crítica e crispada.