Râguebi. Do Direito para o mundo

João Granate jogou na equipa que fez os portugueses, e não só, vibrarem com a forma como jogava. O jogador do Direito falou-nos dos sacrifícios que um jogador amador tem de fazer para chegar ao Mundial e das emoções vividas em França.

O Campeonato do Mundo terminou com o triunfo da África do Sul sobre a Nova Zelândia pela margem mínima. Foi uma final intensa, que fica na memória de quem gosta de râguebi por ter sido disputada até ao último segundo. Os Springboks levaram para casa a Webb Ellis Cup pela quarta vez em dez edições.

A competição realizada em França contou com outros momentos altos e algumas boas surpresas como foi o caso de Portugal. Desde o primeiro jogo frente ao País de Gales que a seleção nacional apresentou um râguebi atrativo e sedutor. A forma como conseguia os ensaios e lutava nas formações ordenadas impressionaram outros selecionadores e a imprensa internacional.

 João Granate começou a jogar râguebi com seis anos e atingiu o topo 20 anos depois ao integrar a lista de 33 convocados para o Campeonato do Mundo. O terceira linha ocupa o lugar mais recuado nas formações ordenadas e cabe-lhe iniciar as jogadas depois de conquistada a bola oval, e conta com 33 internacionalizações. O facto de o seu pai ser médico da seleção no Mundial de 2007 ajudou a despertar essa paixão “foi uma coisa completamente nova ver râguebi a esse nível. O jogo contra a Nova Zelândia foi muito marcante para mim e criou a vontade de estar nesses palcos”.

Sonho tornado realidade João Granate fez parte da equipa inicial em três partidas. Foram momentos de grande significado “para um atleta amador como é o meu caso estar no Mundial foi culminar de muitos anos de trabalho e de muitos sacrifícios a nível pessoal e profissional. Foi também o concretizar de um sonho de miúdo, desde o Mundial de 2007 que sonhava com isto”, frisou o jogador do Grupo Desportivo Direito.

O projeto Mundial 2023 começou há quatro anos com a entrada do selecionador Patrice Lagisquet e de novos jogadores, alguns vindos do campeonato francês. Desde a fase de qualificação que a seleção foi ambiciosa e determinada a atingir os seus objetivos. Foi assim que conseguiu o apuramento para o campeonato do mundo ao empatar com os Estados Unidos no último lance de um jogo incrível. Em França, os Lobos mostraram novamente a sua raça “as pessoas ficaram muito satisfeitas com aquilo que fizemos, antes de começar o campeonato ninguém esperava os resultados que fizemos. A nossa classificação foi inédita, mas podia ter sido melhor”.

João Granate recorda os momentos mais marcantes do seu primeiro mundial “o jogo com o País de Gales foi especial por ser o primeiro. Cantar o hino nacional num estádio cheio até aperta o coração. O empate com a Geórgia foi histórico, mas deixou um sabor amargo, podíamos ter ganho se o pontapé no último minuto tivesse sido concretizado. Com a Austrália tivemos dois momentos em que podíamos ter marcado e não conseguimos. Depois, eles aproveitaram o facto de estarmos a jogar com menos um elemento e fizeram três ensaios em 11 minutos. Se tivéssemos tido um pouco mais de maturidade podíamos ter tido melhores resultados”, admitiu. O jogo mais marcante foi contra as Fiji “apesar de ter sido o encontro onde joguei menos tempo, foi o mais emocionante porque conseguimos a primeira vitória. Os últimos minutos foram de loucos”, recordou, e deu uma imagem curiosa “os jogadores de râguebi são conhecidos por serem um pouco brutamontes, mas depois de tantos sacrifícios é normal que haja uma explosão de alegria e lágrimas em alguns deles”.

O segredo para jogar bem e surpreender o mundo do râguebi deveu-se ao facto de serem “um grupo de amigos, que se conhece desde a faculdade e jogam juntos há muito tempo. Mesmo os jogadores profissionais que estão em França foram bem recebidos. A nossa amizade e solidariedade nos momentos mais difíceis faz toda a diferença”, salientou. Quanto ao estilo de jogo, afirmou: “Esta geração pratica um râguebi muito atrativo”, e lembrou “o selecionador Patrice Lagisquet foi um dos fundadores do chamado râguebi champanhe e trouxe essa forma de jogar para a seleção”.

Lobos com lágrimas Pouco habituados ao alarido e à agitação nos estádios, os Lobos foram surpreendidos com o forte apoio à seleção nacional “o facto de o Mundial ser em França, onde há uma grande comunidade de portugueses, ajudou a que tivéssemos sempre muito apoio. Depois, como éramos a seleção menos favorita, os adeptos estavam por nós, toda gente gosta de uma história de David contra Golias”, referiu.

Cantar o hino nacional o mais alto possível e com grande emoção à mistura tornou-se uma imagem de marca dos Lobos “sente-se muito o peso da camisola e não queremos desapontar as pessoas. Sentimos a necessidade de dar o máximo e a responsabilidade aumenta”, isso foi bem evidente pelas lágrimas cara abaixo de alguns jogadores.

Conciliar os estudos e agora a profissão de engenheiro numa empresa de instalação de equipamento de piscinas com o râguebi “é complicado”, admitiu. “Acordo muito cedo para ir ao ginásio antes de seguir para o emprego. Ao fim da tarde, tento sair o mais cedo possível para ir treinar até à noite, é assim durante toda a semana. Quando estou na seleção, é ainda mais complicado. Tenho a sorte de o meu chefe, Miguel Bento, ter sido internacional de Sub 18 e Sub 20 de râguebi e ter alguma bondade em termos de horários, mas compenso isso e fico a trabalhar até mais tarde”. O râguebi tem valores muito próprios que o diferenciam de outras modalidades, nomeadamente do futebol, que deu origem ao jogo da bola oval. “O que difere são os valores da amizade, solidariedade e respeito pelo próximo. É um desporto de combate físico coletivo, sofremos juntos e sofremos uns pelos outros. É uma escola de vida, tenho amigos que ficam para sempre”, fez questão de sublinhar.

A forma como Portugal jogou no Campeonato do Mundo mostrou uma clara evolução. Espera-se que o futuro ajude a consolidar esse crescimento, como disse João Granate “mostrámos que pertencemos à elite e esperamos que a nossa participação possa inspirar as gerações mais novas. Tal como aconteceu comigo, era bom que os jovens que nos viram jogar possam estar num mundial dentro de alguns anos. Nunca tinha visto o râguebi com tanta exposição, mas não é suficiente. É preciso divulgar a modalidade nas escolas, ter mais campos para jogar e que o Estado e os patrocinadores estejam mais presentes”, concluiu.