Passados dois anos, tudo na mesma: estão a trabalhar em serviços de limpeza, caixas de supermercados ou atrás de balcões comerciais. Apenas uma exerce funções em ambiente hospitalar como auxiliar de cuidados médicos. Fugiram da guerra na Ucrânia onde deixaram maridos, pais e irmãos a combater. A chegada de dezenas de médicas ucranianas, com especialidade em neonatologia, obstetrícia, pediatria, neurologia ou medicina geral – áreas críticas no SNS -, fazia acreditar que poderiam ser parte da solução para a falta de médicos.
Mas não. Todas continuam à espera do reconhecimento do grau académico que lhes dá acesso à profissão. Precisam de passar por várias fases, não só para o reconhecimento por parte das universidades, como as exigidas pelas Ordem dos Médicos (OM). Resultado: o ano passado apenas uma passou a prova de língua portuguesa.
O bastonário da OM, Carlos Cortes, garantiu ao Nascer do SOL que tem pressionado o ministro da Saúde para se encontrar «uma forma de agilizar – não de facilitar – o reconhecimento» destas médicas. «Existe toda a abertura da OM» para ter o assunto resolvido em breve.
No entanto, a resolução não está nas mãos da OM mas sim da faculdade de Medicina. Para o reconhecimento do grau académico, estas médicas, assim como todos os médicos de língua estrangeira, sujeitam-se a uma «prova de Competências em Comunicação Básica em Português» elaborada pela NOVA Medical School. O próximo exame é a 30 deste mês e a angústia é grande: quem reprove duas vezes fica automaticamente excluído e vedada a prática de Medicina em Portugal. Todas elas reprovaram o ano passado.
Esta é uma das difíceis batalhas da associação Rephrase, que tem como objeto o ensino da língua portuguesa para a inserção socioprofissional de asilados. A associação desenvolveu o Project Anastasiia, dedicado ao apoio no processo de reconhecimento e inscrição na OM. Um nome que vem da médica Anastasiia, mãe de duas crianças e especialista em neonatologia, que mora com a família num quarto em Almada e trabalhou em limpezas domésticas. Hoje, é a única que se dedica à Saúde, como tarefeira numa clínica em Lisboa. Dia 30 irá fazer o exame pela última vez.
A associação reclama que a prova é desnecessariamente exigente. O regulamento garante que este exame é equivalente ao exigido aos «alunos portugueses do 6.º ano de escolaridade». E serve para «avaliar a compreensão, o conhecimento e a expressão escrita da língua portuguesa».
Margarida Bragança, da Rephrase, considera que estas médicas estão em condições distintas dos outros, pelas condições em que chegaram: não tiveram tempo, nem condições emocionais para se preparem para uma prova que classificam muito mais complexa do que uma mera prova do sexto ano. No ano passado, o exame tinha como tema central um texto de João Lobo Antunes sobre o «conceito de risco» e a Medicina moderna. Temas que as candidatas não conseguiram desenvolver satisfatoriamente segundo os parâmetros dos avaliadores. Margarida Bragança reclama que esta prova passe a semestral e não anual, que não sejam apenas duas as hipóteses de a realizar e que os critérios sobre os conhecimentos de português sejam entregues a entidades especializadas e não às faculdades médicas.