A diferença que faz a vida é o modo como um ser se implica no seu tempo, aquele que lhe é dado viver e que partilha na relação com os outros, buscando aprofundar aquilo que há de comum entre eles, que os une. Não se trata apenas de habitar o mundo, mas de reconhecer que o próprio mundo, o seu significado, é a principal das nossas responsabilidades. “O mundo é a nossa tarefa”, vincou Manuel Gusmão. E quanto à morte, esta não seria mais do que um rumor inconsequente, sem capacidade de provocar arrepio, não fosse pelo desaparecimento daqueles que mais falta vêm a fazer-nos. “O olhar é a derradeira gota do ser humano”, escreveu Benjamin, e assim nada é mais duro neste mundo do que olhá-lo de forma directa e sentida, sabendo distribuir ao longo da vida essa outra tarefa medonha que é deixar o melhor de si e despedir-se dele: “de que morres, por que morres/ tu, canção já sem voz, já/ sem o canto,/ – já sem outro assunto/ de momento, me despeço de todos vós (…) Morresses, agora, canção/ enquanto corres ainda pelo sangue/ de quem escuta – e/ morrerias no fulgor último/ que ao fundo, no horizonte/ da linguagem,/ da própria linguagem/ se afasta já, e abandonando vai/ os seus bairros periféricos, despedindo-se/ da tristeza dos migrantes derradeiros;/ queimando página a/ página/ os últimos barcos.”
Felizmente, resta esta possibilidade de se gravar numa página um modo de se ir respirando ao correr das sílabas e que, através do seu fulgor, possa resistir e fazer durar “a energia de um desejo de vida e de mundo”. É um modo de transmissão e sintonia alcançada através de “um uso ilimitado (infinito?) de meios finitos”, algo que se firma no idioma como uma raiz capaz de alimentar-se de novos sentidos. Um verso que, vindo de longe, seja capaz de costurar os tempos, e se faça ouvir em infindáveis modulações levando aqueles que o escutam a escrevê-lo na areia das margens da história… “E assim repetidamente constela e singulariza as vozes de quem o cita e ao citá-lo o transforma”. Manuel Gusmão foi desses poetas que estão sempre a deixar-se devolver ao espanto inicial das coisas, reconhecendo que a poesia o que faz é apanhar aquela vibração do mundo que parece ocorrer quando não estamos a olhar. Caçá-lo de surpresa, vê-lo renovar-se na sua vibração inenfática, perceber “como um dado ritmo participa da formação do sentido, ou mesmo de uma decisão de sentido”. Quando o poeta escreve, diz-nos Gusmão, o que acontece ou pode acontecer é a linguagem a repetir a sua origem, ou seja a funcionar. Trata-se de sentir com os dedos uma ferida, algo que nos tocou mais fundo, e reconstituí-la, dar pela expansão de um eco na carne, nos sentidos, e apropriar-se dele, para duplicar a música sem se ficar apenas pelo eco. “Tens as mãos e elas uma memória”, escreve ele, e logo vai “dilatando o mínimo, o último; procurando/ o limite comum do infindo e do fim”.
Assim, numa poesia em que os movimentos se abrem em círculos e se faz escutar como “o rumor de uma página de água/ por entre as silvestres sílabas da língua”, há sempre um “encadeamento de imagens que se justapõem, sobrepõem, e, assim, dispõem um amálgama emotivo” (Joaquim Manuel Magalhães). E não há um sentido único, mas uma rede de cambiantes, uma dispersão que se serve da trama linguística para gerar sequências que se reforçam, numa entoação que avança ressoando. Porque Gusmão entendia que aquilo de que a melhor poesia é capaz passa por construir modelos ou versões lacunares, precárias, instáveis do mundo, inventar formas de vida. A arquitectura dos seus livros, que em muitos casos se organiza em ciclos de poemas, concebe um discurso que absorve os seus limites e até contradições, uma razão que se perde para ganhar de novo os sentidos, mas já outros, já refeitos, de forma a “estender o possível”. Comparecem ali vozes sobrepostas, numa atenção pelas subtilezas do que marca a pele do idioma, essas cicatrizes que ficam “das mais mínimas, das mais enigmáticas coisas// desta terra, onde uma vez nascidos,/ como o breve fogo azul passando a cinza,/ nascendo, morrêssemos”. A desatenção é o que acaba por nos ser fatal, pelo perigo de nos escapar essa tensão que organiza o sentido do mundo para nós. Como notou Magalhães, “o que se joga nesta poesia é o esplendor (magoado ou eufórico) de várias memórias: biológica, biográfica, histórica, da passagem visceral das coisas e dos seres”. O próprio conteúdo político desta obra nasce de uma extrema atenção aos detalhes, às consequências das nossas escolhas e acções, e que a própria escrita é uma forma de estar implicado na sua vida e na dos outros. “Comecem a aprender que textos são mundos possíveis e, no limite, alternativos, que são formas de vida a que não teríamos acesso sem a literatura e os seus modos de usar a linguagem.”
A intervenção e o testemunho de Manuel Gusmão através desse fôlego e lucidez crítica que animam tanto os seus poemas como os seus ensaios, e que para todos os efeitos os tornam práticas de escrita contíguas e complementares, começam por se distanciar de tudo o que são esses modos da tagarelice e da eufórica comunicação de estereótipos ou registos que, aderindo à espectacularização da vida, geram em nós um tipo de inibição, uma despossessão dos meios para “traduzir as coisas para mais perto do seu nome”. No fundo, o acto poético nunca deixa de ser um modo de reconhecer-se a si mesmo. “A mão do poema folheia a minha vida procurando/ o sítio onde algo se passou, o sobressalto que ainda/ hoje te mantém suspenso, indeciso sobre quem vive// na tua vida?” Num dos seus ensaios, Gusmão insiste que “um poema é tendencial e enigmaticamente um projecto de sentido que somos levados a reconstruir ou reinventar. Mas também pode ser a recusa de sentidos já feitos e fatigados; ou mesmo uma experiência da ausência ou de uma crise de sentido.” Isto acaba por explicar o carácter minoritário da poesia e do seu público, uma vez que esta não se contenta em deixar-se arrastar por qualquer eco, mas afina-os, participa na própria composição musical, sendo uma disciplina que, deste modo, multiplica e intensifica os nossos aparelhos de percepção e reconfiguração do mundo. Mas se o economicismo, a tecnificação e a razão instrumental têm vindo a assumir um peso cada vez maior nas nossas sociedades, é natural que a literatura que não se deixa anexar à lógica do espectáculo seja encarada como uma relação dispensável. No fundo, como nos diz Gusmão, a literatura não serve para nada, residindo aí o seu valor sem preço, e se o ensino da literatura servir para alguma coisa só pode ser para “alargar o espaço de usufruto de tão soberba ou soberana inutilidade”. Além de assinalar a sua importância como “um lugar de resistência crítica à simplificação instrumental das linguagens disponíveis, e ao estreitamento dos possíveis de linguagem, de vida e de mundo”, Gusmão defendia ainda que esta funciona como uma interpelação e, portanto, pedia uma resposta. Por essa razão, nos seus ensaios foi um dos autores que fez uma das mais apaixonadas defesas do exercício da crítica literária, tendo sido também um dos nossos raros autores que soube inviabilizar essas ridículas e persistentes hierarquias entre diferentes tipos de criadores. “Um certo puritanismo acusa-nos de esmagar a literatura sob o peso do comentário, da crítica, da teoria. A literatura seria uma escrita cheia de silêncio em volta. Mas podemos imaginá-la como algo absolutamente idêntico a si, fechado em si e sobre si? Seria um gesto de sacralização que instalaria uma distância absolutamente irrecuperável; enquanto que, julgo eu, a literatura pede resposta.”
Gusmão detinha-se ainda nas propriedades da leitura, não apenas no sentido da criação, mas na disposição desse que se lança sobre um texto como sobre um enigma ou um território resistentemente estranho, desbravando-o, tanto mais instigado por ele por não lhe ser possível dar cabo do fascínio que este exerce. “Julgo que se pode afirmar que quando lemos praticamos, mesmo se de forma quase automática, uma série de decisões de sentido; ou, dizendo de outro modo, julgo que sem essas decisões não leríamos, ou pura e simplesmente não chegaríamos a ler. E entretanto a nossa experiência de leitura diz-nos que é quando interrogamos algumas dessas decisões que as coisas começam a mover-se.” Aprendendo a assumir o peso das suas escolhas, o homem também passa a ter uma noção da força das suas convicções, e é neste sentido que a intervenção de Gusmão vai toda ela no mesmo sentido, convocando-nos para uma militância plena, e lembrando que o maior preço que pagámos pelo bem-estar, conforto e o acesso a uma escolha infinita de bens de consumo que não suprem quaisquer tipo de necessidades, atirou-nos para uma habituação a gestos inconsequentes, vícios absurdos, entregando-nos a um “hedonismo depressivo” (Mark Fisher) que faz com que o convívio mais difícil que temos de suportar muitas vezes seja aquele que mantemos com nós próprios. Além das perturbações psíquicas a que estamos cada vez mais sujeitos, isto acompanha a forma como resvalamos para uma sensação de ansiedade constante e de impotência para alterar as nossas vidas e, portanto, para ter alguma acção transformadora no mundo em que vivemos. Gusmão diz-nos que “apagar a luta dos possíveis significa fixar, imobilizar ou paralisar o que aconteceu; a história desaparece na repetição do mesmo”. E prossegue: “Tal paralisia, desencadeando a repetição, tornando fatal todo o acontecido, torna a história uma narrativa profética, uma profecia dos vencedores: será sempre assim, porque sempre assim foi. Aliás, a tese sobre o ‘fim da história’ começa por ser uma história mal contada e, mais do que um diagnóstico, representa uma tentativa de eternização de um presente reduzido e um bloqueamento do futuro por esgotamento dos possíveis. Nós, na ‘tradição dos oprimidos’ (Walter Benjamin), aprendemos a não ceder aos desastres, aprendemos a trabalhar para estoirar o tempo contínuo das derrotas e a perscrutar os momentos em que algo de diferente foi possível, mesmo que por umas semanas ou meses ou décadas. O trabalho da esperança que magoa ensina-nos que o que foi possível, e logo derrotado, será possível (de outra forma) outra vez.” Quando confiscam os horizontes do possível, quando exercem sobre nós a coacção de um certo realismo cínico, a poesia mostra-se um modo de conspiração de um indivíduo consigo mesmo. Como regista Walter Benjamin num dos seus ensaios, “o leitor, o pensador, aquele que espera, o flâneur, são tipos de iluminados como o fumador de ópio, o sonhador, o ébrio. E mais profanos do que eles. Isto, para não falar já da mais terrível das drogas – nós próprios –, que tomamos quando estamos sós.” Ainda que se veja isolado, qualquer leitor só precisa de confiar na linguagem, no seu poder de desencadear hipóteses remotas, as tais formas de vida alternativas ou lacunares, para conceber outros rumos… “Serve isto para dizer que há uma memória da poesia e que a poesia é ela mesma uma escuta de si e um operador de historicidade”, nota Gusmão, adiantando que “a poesia conhece o mundo de mundos em que vivemos historicamente”, e que “não apenas inventa/descobre figurações do mundo, mas nela a linguagem ‘dinamizada’, intensificada, produz outras maneiras de o figurar e habitar, com o que participa tendencialmente da modelação histórica dos nossos próprios sentidos históricos”… Ou por outra, “dá a imaginar diferentes formas de vida e nesse sentido pode mover ou co-mover o viver”.
Neste sentido, este marxista heterodoxo, também na forma como se situava perante a tradição literária, não se via como um pós-moderno, mas assumia estar num contraciclo ainda lá atrás, numa modernidade de longa duração. “Sou um moderno que não actualiza nem esquece o antigo, porque o antigo está ele próprio a ser inventado e a poesia pode ser, desde sempre, não apenas a descoberta, mas a invenção. Não apenas a vontade da inovação, mas o desejo de duração”, disse numa entrevista a Rosa Maria Mesquita, em 2007. Este militante indefectível do Partido Comunista, que foi membro do comité central e chegou a ser deputado, nunca parece ter encontrado uma contradição entre a acção política e a escrita ou o ensino de Literatura Francesa na Faculdade de Letras de Lisboa. Nascido em Évora, em 1945, embora a sua estreia a publicar poesia só tenha acontecido em 1990, quando tinha já 45 anos, todos os que o conheciam e acompanhavam o seu trabalho, sabiam como só precisava de ir “escandindo/ a fala” para que as intuições com que se detinha generosamente na obra dos outros fossem lidas como a pauta para uma música densa e cheia de movimentos, sem abrir mão dos diálogos que são decisivos na sua obra, tendo sempre reforçado “essa amizade que o amor da arte/ dos versos é”, e reclamando essa proximidade íntima que é possível construir-se quando a solidão se torna uma câmara de ecos tremenda. Assim, foi esta a epígrafe que escolheu para o livro A Terceira Mão (2007): “… E é ele/ quem te diz: corta a minha mão/ e escreve com ela um poema que seja teu”. E com Fiama, umas páginas mais à frente, insistia: “eu amo os livros que vêm dos livros/ e estou no meu jardim c’os mortos/ de quem vim”. Logo no arranque do seu primeiro livro “Dois Sóis, A Rosa, a Arquitectura do Mundo”, cujos textos vêm de 1969 a 1986, escreve: “Escuta,// dedicatória e sabedoria: é uma fala mínima,/ dir-se-ia que falam, falamos numa língua morta./ É como se tivesse sido necessário perder a poesia/ para encontrar a longa hesitação do poema/ que oscila entre duas páginas de água…/ É como se tivesse sido necessário perder a poesia/ para achar a poesia.” E, anos mais tarde, num dos ensaios do livro “Tatuagem & Palimpsesto (Assírio & Alvim, 2010), esclarece que “a poesia só parece possível depois de uma experiência da sua impossibilidade, de uma ameaça de afasia, ou de pensarmos que a tínhamos perdido. Ou quando uma grande ilusão ou uma pequena mania obstinadamente nos conduzem e vencem”… Numa outra entrevista, explicara que, quando chegou o 25 de Abril, “tinha um livro quase pronto, mas que ia perdendo cada vez mais sentido para mim, não tinha encontrado uma maneira de o construir. Por outro lado, as várias actividades da minha vida foram intensamente ocupadas e, de certo modo, houve uma perda da poesia, passei a escrever muito raramente.” Toda essa hesitação acabou por jogar a favor da fabulosa consistência daquele livro. Porque a poesia de Manuel Gusmão está lançada num nível de urgência que leva a que, em vez de se embriagar como tantos em equívocos tão comuns como a pretensão da originalidade, está comprometido com aqueles autores que o precederam e por quem assume uma atracção compulsiva, exercitando um pensamento múltiplo e insinuante, e tendo admitido que “gostaria de oscilar entre uma tradição de veemência arrebatada, de que o grande nome penso que é, na poesia portuguesa e não só, o Herberto Helder, e o que chamaria uma poesia da contenção veemente, a de um poeta anterior, Carlos de Oliveira”. Parece um director de jornal a quem fosse dada a oportunidade de reunir uma redacção de poetas, para reencenar a tradição literária como um debate verdadeiramente arriscado e exaltante de modo a provocar os leitores, cativando-os para uma acção política decisiva e transformadora da sociedade. Como ele refere na já referida entrevista ao Público, “costuma dizer-se que a esperança é a última coisa a morrer. Mas, segundo um amigo meu, a última coisa a morrer é a fúria ou a raiva. Gostaria de conjugar os dois dizeres. Atravessar toda essa zona sombria que tem a ver com a doença, a morte dos amigos amados, o desagrado com o estado do mundo. E depois, contra a evidência dessas coisas, conseguir sustentar a alegria. Não uma alegria contentinha, que passa por fechar os olhos ou esquecer, mas uma alegria que exige um estado de extrema tensão. Em parte é a experiência que pode ser tida com aquilo de que gostamos mais, com as artes da linguagem, o cinema, o teatro, a pintura, com o corpo amoroso.”
Por outro lado, se a sua poesia e também a sua obra ensaística assumia imensas dívidas para com o pensamento de uma série de autores, nunca lemos os seus textos como combinados de migalhas que restam de inúmeras conversas. A sensação é de estarmos a observar a disposição de uma série de juízos e a sua articulação de acordo com um acurado ponto de vista, o de um grande estratega. Porque Manuel Gusmão podia considerar-se um poeta desses que escolhem uma genealogia, e vão traçando o seu caminho entre os descentes de noites infernais, negando-se ao sono e à morte, mas em termos de um projecto crítico, é difícil encontrar alguém que tenha sido tão fiel a esse princípio de uma irmandade de espíritos em oposição tão firme ao tempo actual. Reclamando-se como uma figura intempestiva, ele definiu esta época em que vivemos como sendo refém de “um efeito de pensamento produzido pela expansão de uma prosopopeia do ‘mercado’; uma mistificação global que se pretende tempo, mundo e pensamento únicos, ao mesmo tempo que reprime a efectiva pluralidade de tempos possíveis e de possíveis de mundo; um processo de integral mercadorização do humano, da terra e da água que são o seu corpo não-orgânico, um processo abençoado por uma arrogante meta-narrativa imperial, nascida sobre o pretendido apocalipse de todas as outras”. Assim, apesar da enorme admiração que nutria por Herberto, soube divergir dele em momentos decisivos, nomeadamente quando este virou do avesso a máxima de Lautréamont de que a poesia deve ser feita por todos, afirmando que esta é, na verdade, feita por um só e contra todos. Gusmão deu provas de uma postura bem mais escrupulosa, estando mais empenhado em bater-se pelo futuro, sabendo como o fechamento do indivíduo em si mesmo e a adesão ao mito do génio isolado não é senão outra forma de fanatismo, e colabora com o tal pessimismo e o virar costas a um ideal de luta em comum. Sem embalar nos caprichos ou proferições escandalosas de que tantos se servem para provocar a audiência, Gusmão deixou claro que, para um poema, o conjunto de poemas que forma com ele a sua situação enunciativa, é o seu contexto, e que este pode sempre atrair outros poemas, do mesmo ou de outros poetas. Por isso, no centro da sua obra está esse desejo de superar as armadilhas do ego e devotar-se à relação com o outro, desejando-o como seu constituinte. “Se se perceber que a palavra amizade não tem a ver com o clã, com os amigalhaços, diria que nós escrevemos como quem tenta produzir uma amizade. Uma amizade com amigos que já conhecemos, sejam próximos ou longínquos, com amigos que não conhecemos e talvez venhamos a conhecer, e com um amigo que virá e que nunca conheceremos. É um outro, que não conseguimos vislumbrar, mas ao encontro de quem vamos.”
Gusmão também não admitia que a poesia pudesse ser vivida a dez ou vinte por centro, reservando o resto aos imperativos da realidade prática, e supôs até que, no limite, o poema pudesse ser alguém ou um fragmento de uma conversa humana entre gente que não sabe bem como viver. “E, contudo, a poesia são formas de vida imaginárias e imaginantes, não o eco, o feito ou o efeito de uma biografia mas as marcas de um caminhante que já lá não está, mas passou por ali, ao encontro do encontro.” Outros poderão ter-nos deixado versos mais memoráveis, mas em termos do exemplo, das qualidades humanas e da própria estratégia no que toca ao combate literário e, consequentemente, ao esforço de mudar a vida, nenhum outro poeta contemporâneo deixou atrás de si um rastro mais encorajante.