Programa de domingo à noite: The Voice e Ricardo Araújo Pereira. Se há uns anos eram as telenovelas, o telejornal e as séries de culto que reuniam as famílias na mesma sala, hoje, só estes programas televisivos conseguem esse feito. Dos 8 aos 80. Tudo o resto convida à dispersão dos filhos por toda a casa com telemóveis e computadores debaixo do braço para verem as suas séries. Ricardo Araújo Pereira é a exceção que reúne o consenso dos interesses familiares. Gozar com os políticos e afins é o divertimento informativo por excelência. Todos percebem, todos se riem e é a forma de estar a par da atualidade. Se passa ali, é relevante. O «Isto é gozar com que em trabalha» é o nosso 60 minutes português.
Ricardo Araújo Pereira arriscou o que Herman José nunca se atreveu fazer: gozar com políticos sem baias, sem medo, sem limites. Hoje, sabe melhor que ninguém que a popularidade de cada um deles está também dependente do achincalho que lhes faz, que os alvos escolhidos arriscam a transformarem-se em palhaços públicos. E faz isso melhor que ninguém. Em Portugal, a melhor arma política é o ridículo, o humor. É tolerada a mentira, a corrupção, a falta de carisma e de ideias. Mas dificilmente se chega longe quando se dá um trambolhão em público, quando se fala de boca cheia ou quando salta a dentadura em direto. O ridículo tritura políticos com mais eficácia do que qualquer ministério público. O momento mais baixo da popularidade de Sócrates não foram as suspeitas de corrupção, foi o livro que não escreveu ou o exame de inglês técnico feito a um domingo. Uma comédia. De todo o percurso político de Cavaco Silva o mais marcante para a sua popularidade foi quando se atreveu a falar de boca cheia de bolo rei. Motivo de risota nacional.
Os nossos filhos, assim como a maioria dos portugueses, não querem saber de política. É enfadonho, é complexo, não acreditam em nenhum político e acham genuinamente que não há muito fazer em relação ao bem comum, ao país e à ausência de desígnio nacional. Uma criança ou jovem, que ambicione ser político, ou tenha como ídolo um líder político, é um lobo solitário. É como querer ser índio no faroeste.
No meio deste deserto, Ricardo Araújo Pereira é a referência política da nossa criançada. O problema – não de Ricardo Araújo Pereira, mas da criançada, dos portugueses e da política – é que só existe ele e o seu programa entre eles e a política. Ninguém saberia o que era uma comissão parlamentar não fosse o seu programa mostrar os seus debates insólitos, assim como não conheceríamos a esmagadora maioria das intervenções de Marcelo não fossem os serões de domingo. E a política é mostrada assim, de episódio ridículo em ridículo até ser fácil constatar que tudo não passa de um mega-circo onde todos vestem fato e gravata. Ricardo Araújo Pereira é hoje o interveniente político mais relevante do país. Com ou sem programa político, o seu programa define a agenda e forma a consciência política dos nossos filhos. Uma coisa que nós, pais, nos demitimos há muito de fazer. É lidar.