Já muito foi escrito sobre os acontecimentos de 7 de novembro. Na origem da atual crise política está, como se sabe, o último parágrafo do comunicado do gabinete de imprensa do Ministério Público (MP) sobre diligências realizadas nesse dia em todo o país, em que se lê assim: “No decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-Ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido. Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente”. Sobre a necessidade de preservar o segredo de justiça, doravante ninguém se queixará dos jornalistas…
Depois da alocução do Presidente da República, surgiu, porém, outro comunicado do MP esclarecendo que “a conexão existente entre a factualidade subjacente aos dois inquéritos justifica e exige que a investigação de ambos prossiga articuladamente”. E com isso ficou, desde logo, descartada a exigência inicial de Marcelo Rebelo de Sousa, de que “o tempo, mais depressa do que devagar, permita esclarecer o sucedido, no respeito da presunção da inocência, da salvaguarda do bom nome, da afirmação da Justiça e do reforço do Estado de Direito Democrático”.
Disse-se que este caso só poderia ter dois desfechos e nenhum é feliz: por um lado, a conclusão de que houve uma ação ilegal por parte do primeiro-ministro, ou, pelo contrário, de que os indícios não justificavam a sua demissão. Porém, com a demissão do primeiro-ministro, era ainda assim importante para o escrutínio democrático que isso fosse claro antes das eleições. Todavia, o segundo comunicado do MP dita um terceiro desfecho, atirando a resolução do caso para as calendas.
Obviamente, a justiça tem o seu tempo. Pode errar, mas tem de ser respeitada e tem a obrigação de investigar e julgar, se necessário. Contudo, o que nada justifica é que por causa de uma investigação que era, de facto, incontornável, mas cujo desfecho é incerto (como se pode aferir pela decisão do juiz de instrução), o país entre numa crise profunda. Uma crise adensada, aliás, pelo Presidente da República, por aceitar a demissão de António Costa sem mais delongas – sem aguardar sequer a instrução –, mas também por determinar a dissolução da Assembleia da República, sem explicar aos deputados as razões que o levaram a tomar tal decisão, a qual só se justificaria se o normal funcionamento do Parlamento estivesse em causa.
O que é igualmente inexplicável é que os políticos optem pelo suicídio coletivo. É normal que a oposição e certos setores do PS rejubilem com a crise, porque antecipa a oportunidade de disputarem o poder. Deviam, contudo, ser mais prudentes antes de anteciparem conclusões e refletir sobre o que sucedeu antes, por exemplo, com Leonor Beleza, Paulo Pedroso, Miguel Macedo, Azeredo Lopes, Eduardo Cabrita ou com dezenas de autarcas, entre os quais este que escreve. O que foi feito ao presidente da Câmara Municipal de Sines não é próprio de um Estado civilizado, antes nos lembra os tempos de Torquemada.
A quem encolhe os ombros, recordo as célebres palavras do pastor Martin Niemöller: “Primeiro vieram buscar os comunistas, e eu não disse nada por não ser comunista. Depois vieram buscar os socialistas, e eu não disse nada por não ser socialista. Então vieram buscar os sindicalistas, e eu não disse nada por não ser sindicalista. Em seguida vieram buscar os judeus, e eu não disse nada por não ser judeu. Também vieram buscar os católicos, e eu não disse nada por não ser católico. Então vieram buscar-me – e já não havia ninguém para me defender.”