O clericalismo na política democrática…

Agrada-me a imagem que, no início do seu pontificado, o Papa Francisco usou para dizer o lugar do padre: «O pastor cheira a ovelhas»

Para o Santo Padre, não existe pecado maior do que o clericalismo. Trata-se de uma espécie de peçonha que se agarra à pele dos padres e de muitíssimos leigos e que perturba completamente a vida cristã, perverte a comunhão própria da Igreja, conforme o Senhor Jesus quis instituir.

O clericalismo é uma doença comunitária que faz depender todas as decisões da figura do padre, que, como um polvo, tudo controla na vida das paróquias. Para além desse controle comunitária, dá-se um controlo ainda maior da vida espiritual e social dos próprios fiéis, relegando a consciência individual para segundo plano.

Agrada-me a imagem que, no início do seu pontificado, o Papa Francisco usou para dizer o lugar do padre: «O pastor cheira a ovelhas». De facto, é um pouco estranho que um pastor cheire a Yves Saint Laurent ou, no mínimo, caricato. Não é que os pastores não tenham direito a usar bons perfumes, mas realmente, usar um perfume tão caro para se meter no meio das ovelhas não deve ser agradável.

Porque gosto pessoalmente desta imagem?

Porque, naturalmente, vim do meio das ovelhas e, por isso, gosto de me sentir no meio das ovelhas. Raramente me verão, de forma corporativa, no meio dos padres. Pertenço a um presbitério, gosto dos padres que fazem parte deste presbitério, tenho problemas com alguns, com outros não, mas sei que o meu lugar é no meio do povo.

Realmente, como poderei usar a misericórdia ao escutar as dificuldades dos cristãos se não partilho da sua vida do dia-a-dia? O que me tem moldado ao longo dos anos como pastor é, de facto, o contacto que tenho tido com os leigos.

Não há maior confusão do que ir jantar a casa de uma família numerosa. Nem imaginam! As crianças são espontâneas, fazem perguntas e querem saber tudo. Os pais acabam de chegar dos trabalhos, preparam o jantar e dão banho aos filhos. E estão sempre contentes… felizes… é uma grande e santa confusão que me ajuda a perceber as dificuldades por que passam os casais!

Viver com os pobres e partilhar as suas fadigas. Ouvir os doentes e partilhar dos seus sofrimentos. Procurar compreender a história de um toxicodependente. Tudo isto me tem ajudado a encontrar uma forma de cheirar a ovelhas e a procurar desclericalizar a minha própria vida de padre, sem deixar de ser padre para «todos, todos, todos».

Penso que a crise que estamos a viver na política é uma espécie de clericalização dos homens que governam a polis – a cidade – o país. Cheiram pouco as ovelhas e carregam-nas com fardos pesados que eles próprios não querem levar com um dedo.

Estão tão preocupados com as realidades macro que se esquecem dos micros. Quando se lembram dos micros, isto é, os homens comuns, os cidadãos que tentam sobreviver todos os dias e dar um futuro digno aos seus filhos, apenas se lembram de dar algum dinheiro.

Talvez pudéssemos ter um governo que integrasse menos técnicos e mais ovelhas: um ministro das pescas, com um secretário de Estado pescador; um ministro da Agricultura que tenha gerido uma exploração agrícola; um ministro da Saúde que tenha gerido hospitais e neles tenha trabalhado, etc..

A verdade é que todos gostamos de comer os queijinhos de ovelha, mas poucos gostam de cuidar das ovelhas!