A Magnífica Polifonia do Portugal Renascentista

Portugal ultrapassou a Espanha como líder na música polifónica.

O Renascimento Português durou dois séculos, desde finais do século XV atémeados do século XVII, e coincidiu, portanto, com a Era dos Descobrimentos, quando a exploração das terras coloniais e a expansão do comércio externo trouxeram grande riqueza para a realeza, a nobreza e a Igreja Católica. Isto permitiu uma expansão do mecenato nas artes; especialmente no que diz respeito à música litúrgica e profana. Antes disso, o canto homofónico do cantochão era a forma básica de adoração ecuménica, conforme exemplificado pelos cantos gregorianos. Fora da igreja, as primeiras canções folclóricas, gravadas em cancioneiros, eram difundidas pelos trovadores.

À medida que o século XVI avançava, a polifonia rapidamente substituiu o monótono, com os músicos Fernão Gomes Correia e Damião de Góis abrindo caminho para a “Idade de Ouro” da música portuguesa (cerca de 1550 a 1650), durante a qual uma abundância de compositores como Frei Manuel Cardoso, Duarte Lobo, Filipe de Magalhães e João Lourenço Rebelo rivalizaram com o conceituado mestre italiano Giovanni Pierluigi da Palestrina na produção de missas, motetos e outras músicas sacras de grande valor artístico. Isto incluiu um período de sessenta anos (1580 a 1640) em que Portugal se uniu politicamente a Espanha sob Filipe II que, felizmente, continuou com o patrocínio real da música, mas em detrimento de outras artes e arquitectura. Quando a independência foi restaurada, D. João IV, que era um músico régio de diversas capacidades e por vezes comparado a Henrique VIII de Inglaterra, deu grande impulso à polifonia, incentivando a educação e as viagens de estudiosos. Portugal ultrapassou a Espanha como líder na música polifónica

A escola coral da catedral de Évora, fundada por Manuel Mendes, forneceu tutoria a muitos estudiosos da música. Seguiu-se de perto o mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, onde o monge agostiniano Pedro de Cristo ensinou composição, e o mosteiro de Santa Maria de Alcobaça. No entanto, foi na Capela Real que muitas obras foram executadas pela primeira vez pelos melhores músicos do país para D. João IV que transferira para Lisboa o vasto acervo de instrumentos, manuscritos e apetrechos musicais que mantinha no palácio ducal de Bragança em Vila Viçosa.

No terramoto e tsunami de 1755, toda a biblioteca foi destruída. Isto explica a escassez de partituras e manuscritos que permitam a execução autêntica de obras-primas da Idade de Ouro. No entanto, a tecnologia moderna veio em socorro na forma da Base de Dados de Música Antiga Portuguesa, que reuniu muitos dos manuscritos (muitas vezes fragmentados) de notação musical de obras compostas antes de 1650 que foram armazenadas em mosteiros, catedrais e igrejas e muitas vezes esquecidas ou esquecido. A informação está disponível gratuitamente aos investigadores e tem permitido a muitas gravadoras especializadas, como a Hyperion e a Naxos, acrescentar aos seus catálogos cuidadosamente escolhidos, a Magnífica Polifonia do Portugal Renascentista.

 Aqui está uma breve sinopse de algumas das minhas gravações favoritas:

  1. Pater Peccavi – Música de Lamentação (Delphian 34205) The Marian Consort, dirigido pelo contratenor Rory McCleery. O luto e a súplica eram comuns no repertório dos compositores portugueses. Curiosamente, sugere-se que, sob o domínio dos Habsburgos espanhóis, os textos eram uma forma encoberta de expressar a tristeza do povo português e o seu anseio pela restauração da sua monarquia. Incluem-se cinco peças de Estevão Lopes Morago, nascido em Espanha, mas que passou quase a vida em Portugal e exerceu o cargo de mestre de capela em Viseu durante 31 anos.
  • Manuel Cardoso – Lamentações, Missa pro defunctis, Magnificat e Motetos. (Hyperion CDA68252). São dos cinco volumes de música sacra coral não acompanhada que foram publicados em Lisboa entre 1613 e 1648, sendo o último quando atingiu a idade avançada de 82 anos. Requintadamente apresentado pelo grupo Cupertinos sob a direcção do tenor Luís Toscano. “As suas actuações em locais históricos têm uma essência distintamente portuguesa e um carácter indomável que merece a descrição de ser a selecção nacional da polifonia”.
  • Lôbo e Cardoso – Missa pro defunctis (Naxos 8.550682) Interessante comparação lado a lado das interpretações desta majestosa obra dos dois mestres da polifonia. A versão de Cardoso leva 28 minutos para ser executada enquanto a do conciso Lôbo é 5 minutos mais curta. Schola Cantorum de Oxford conduzida por Jeremy Summerly.
  • Obras-primas da Polifonia Portuguesa – Coro da Catedral de Westminster (Hyperion CDA66512) Datada de 1991, trata-se de uma competente execução a partir de fontes então conhecidas de obras de Cardoso, Rebelo e de Cristo.
  • Motetos de Estevão Morago e Diogo Melgás – Pro Cantione Antiqua dirigido por Mark Brown (Hyperion CDA66715) Interessante comparação entre a obra muito posterior de Melgás (1638-1700) e Morago (1575-1700), ambos ex-alunos da escola da Sé de Évora.
  • Lisboa sob Cinzas. Esta é uma produção verdadeiramente excelente (ano 2017) de A Corte Musical, dirigida por Rogério Gonçalves, de música portuguesa redescoberta que data de antes da catástrofe de 1755. A maior parte das catorze peças são seculares e incluem “Toquen as sonajas” de Gaspar Fernandes que emigrou para o Novo Mundo no final do século XVI. Registos da sua polifonia sobreviveram nas catedrais da Guatemala e do México. (Pan Clássicos PC10385).

Tomar 21 de novembro de 2023