Glória ao comando

por Nélson Mateus e Alice Vieira

Querida avó,

A inda sou do tempo em que a televisão era a preto e branco, com um napperon de renda por cima, só existiam dois canais, a emissão fechava ao fim da noite… e tínhamos que nos levantar para mudar de canal, imaginem os mais novos (que julgam que nascemos no tempo dos dinossauros).

Agora existem centenas de canais “à escolha do freguês” que, no meu caso, nem sei ao certo quantos tenho e quais são. Canais temáticos de música, séries, animais, desporto, culinária e muitos mais temas.

Em criança, passava as manhãs de fim de semana em frente à televisão a ver desenhos animados. Ele era o “Bambi”, a “Heidi”, o “Marco2”, as “As Aventuras de Tom Sawyer” …

Tirando a RTP 2, hoje só é possível ver desenhos animados nos canais por cabo.

O comando da televisão foi da melhores invenções do século passado. Já imaginaste o poder que nos dá mudar de canal quando não nos agrada o que vemos?!

Confesso-te que não entendo quando oiço pessoas a falar mal de programas, de apresentadores ou de certos canais.

Eu que não tenho tempo para ver os programas que gosto, lá vou perder tempo com programas que não gosto.

Criam-se ódios, raivas… há pessoas que são insultadas na rua pelo que dizem na televisão. Existem ainda pessoas que não distinguem a realidade da ficção das novelas, imagina.

O mais curioso são as pessoas que não gostando de um programa, apresentador ou canal, em vez de sentirem o poder do comando, no dia seguinte voltam a ver o que não gostam. São capazes de andar nisto meses. Não lhes fará mal?

Vi recentemente uma obra de um artista plástico que era um Cristo crucificado, numa antena de televisão. Julgo que que personaliza a forma como muitos estão “pregados à tv”.

Como sabes gosto de estar com a informação atualizada.

No entanto, até março, julgo que vou usar o comando da tv até se sumirem os números gravados no mesmo.

Não aguento ouvir mais do mesmo.

Viva o comando da televisão.

Bjs

Querido neto,

D izes tu que és do tempo da televisão a preto e branco. Sou tão velha que quando a televisão apareceu já eu era adolescente. Fui, como sabes, casada com Mário Castrim, um dos maiores críticos de televisão até hoje.

No entanto, cá em casa nunca fomos “escravos da tv”. Existem programas e apresentadores que iremos recordar eternamente. No entanto, infelizmente, cada vez somos mais bombardeados com lixo televisivo.

Abençoado comando que veio revolucionar a forma de vermos televisão!

Gosto tanto do comando que por vezes (em vez de pegar no telemóvel) até o trago na mala para a esplanada.

Deixa-me partilhar uma situação:

É claro que na esplanada da praia não há lugares marcados. Mas, apesar disso, cada um tem a sua mesa preferida. Quando lá cheguei, duas jovens estavam sentadas na “minha” mesa. Mas elas conheciam-me. Levantaram-se logo e uma delas disse «desculpe, é a sua mesa, nem sei como me enganei!».

Suspirou e rematou, «eu hoje ando mesmo atordoada».

Sentaram-se ambas na mesa ao lado e continuaram a conversa.

«E então?»

«Então, pronto, tem continuado assim»

«Nunca mais voltou a dormir contigo?»

«Nunca mais… E há uma data de dias… Eu bem o chamo… Sebastião, Sebastião, assim numa voz meiga…»

«E ele?»

«Ele, nada. Olha para mim como se não me conhecesse e ali fica»

«Nem vai para outro quarto?»

«Não, fica sentado ao meu lado enquanto eu não me deitar»

Suspirou bem fundo outra vez.

«E eu estou tão habituada que nem durmo bem se ele não se deita comigo» (Grandes suspiros)

Eu estava cheia de pena, apetecia-me meter conversa com elas mas também não sabia o que dizer. Foi então que, de repente, uma delas muito sorridente pergunta à outra:

«Não lhe estarás a dar ração a menos?»

Pois.

Foi aí que percebi que o Sebastião era um cão.

Bons tempos em que os cães se chamavam Bobi, Kiko, Totó…

Dava uma belíssima rábula para a televisão.

Bjs