Vale a pena não ter medo?

Escolher ser livre é o ato individual mais difícil para qualquer ser humano.

Oiço diversas vezes que ‘Luís de Camões’ escolheu terminar os Lusíadas com a palavra inveja, como forma de salientar essa característica genérica do povo português. Este, de certa forma preferirá desconfiar e maldizer do sucesso alheio do que procurar e encontrar caminho para o seu próprio sucesso. Se o maior génio da literatura portuguesa vivesse neste triste início do século XXI muito certamente continuaria a encontrar musas, nativas e outras razões para se apaixonar e se deixar cativo, mas também poderia escolher terminar uma obra-prima com outra palavra: medo! Tenho um amigo que me diz muitas vezes que o maior problema dos portugueses é serem cobardes. Será? Efetivamente os portugueses têm medo e têm muitas razões para o ter.

Depois de mais de quatro décadas de uma ditadura comandada por alguém cuja pequenez sujeitou o país a um atraso estrutural que ainda nos marca coletivamente, a esperança dos primeiros anos de democracia parece ter-se evaporado por décadas desperdiçadas na estagnação. Hoje, a crença dos portugueses no país está espelhada nas vagas migratórias da geração mais bem preparada e nos estudos que já se realizaram sobre as expectativas dos portugueses para o país. Perante este quadro geral, é compreensível que um povo habituado a sobreviver de um modelo assistencialista tenha medo de perder o pouco que tem. Ser livre é difícil para quem tem receio de perder o pouco que lhe garante a subsistência – reforçado pelos impactos que a crise social da troika deixou na memória coletiva da Nação. Para além deste medo económico ou social, existe um medo que há muito vinha sendo comentado, em ‘petit comité’, da prepotência de uma Justiça que vem perdendo parte do seu lado humanista, que deixou de odiar o crime para passar a odiar o criminoso. Recordo as palavras de José Miguel Júdice que um dia disse, de um juiz de instrução, após o criticar num comentário televisivo: “Sei que ele é má rés. Se um dia estiver perante o mesmo, ele irá vingar-se”.

Tudo errado, a Justiça não vinga, faz Justiça. Um artigo desta semana sobre o tema, escrito por uma procuradora-geral adjunta, que nada referiu para além do óbvio, e que há muito faz tema naquelas conversas de corredor, gerou críticas incompreensíveis. O artigo não faz mais do que voltar à base e afirmar que a Justiça não é instrumento de prepotentes. Deve ser o recurso do fraco perante a prepotência do forte. Se assim não for, enquanto comunidade estamos perdidos. Deste modo, sejamos necessitados ou privilegiados, ‘estamos todos na mesma barca’, não que esta nos leve ao inferno, mas, ao vivermos com medo, já nele vivemos. Sendo portugueses, temos mesmo razão para ter medo.

Sejamos um humilde varredor de rua ou, pasme-se, um outrora poderoso primeiro-ministro. Escolher ser livre é o ato individual mais difícil para qualquer ser humano. Nas últimas semanas passou a ser o ato mais difícil para o próximo Chefe de Governo de Portugal. Quando votarmos, no próximo dia 10 de março, estaremos a eleger (indiretamente) uma pessoa que passou a estar sob suspeita. Vale mesmo a pena ter medo.