Eusébio chorou na Argentina

O futebol é uma das poucas coisas que alegram algo a vida dos argentinos.

Obrigados a escolher entre votar a ‘El Loco’ e a loucura de confiar em um ministro de Economia incapaz de controlar uma devastadora inflação, os argentinos optaram por lançar-se ao vazio, os seus desejos de mudança foram superiores ao medo ao desconhecido. A aposta é arriscada mas, com tudo o que a crise económica os tem feito sofrer, entendem que já quase nada têm a perder e que, no seu estado de desespero, talvez valha a pena expulsar do poder aos de sempre e confiar em que outros sejam capazes de devolver a esperança perdida. Há um século, a Argentina era um dos países mais ricos e prósperos, era o ‘celeiro do mundo’ ao que dava de comer, tinha tudo de tudo menos políticos sérios e competentes que soubessem dirigir a nação. Na década dos quarenta as coisas começaram a complicar-se, o populismo, com Perón e sem ele, que, para manter-se, fazia o Estado a gastar mais do que podia, os golpes militares e a instabilidade institucional com frequentes mudanças de governo e de politica económica, levaram o país a passar de desenvolvido a ser um em vias de desenvolvimento, uma tragédia que lançou na miséria a metade da atual população enquanto o resto sobrevive como pode, o tempo dirá se houve sorte na escolha da tábua de salvação.

O futebol é uma das poucas coisas que alegram algo a vida dos argentinos, para eles é uma autêntica paixão como tive ocasião de a viver num encontro entre o Boca e o Benfica, era um desafio amigável, mas o ambiente na Bombonera era como se fosse o de uma final, no banco, ao lado do Otto Glória, via como aquele barulho o impedia comunicar com os seus jogadores. O Eusébio também lá estava sentado, um par de semanas antes tinha sido operado a um joelho, devia era estar em Lisboa em tratamento mas o ‘cachet” do Benfica era muito diferente com ele ou sem ele. Para cumprir as ordens que vinham de cima e contra a sua vontade pois achava que aquilo era uma barbaridade, Otto Glória mandou-o entrar no relvado onde esteve quase nada, um adversário, assim que viu a joelheira, ficou a saber que era ali que devia ir com o pé, acertou em cheio e o pobre Eusébio, saiu a coxear e com lágrimas pelas dores e pela revolta de sentir-se utilizado e vítima da ganância do seu próprio clube. No fim do jogo, o então presidente do Boca foi ao balneário do Benfica e chamou de tudo aos dirigentes benfiquistas, achava e não sem razão, que tinha sido enganado, o Eusébio pelo que pagara não era o que lhe tinham mandado.

Na sua ânsia de privatizar tudo, Milei, que na sua juventude chegou a ser guarda redes do Chacarita Juniors, pretende que os clubes se transformem em empresas e copiem o modelo do City. Mas o Boca, o River e todos os outros grandes do futebol argentino já fizeram saber ao novo presidente que, na sua longa história, os clubes sempre pertenceram aos sócios, são instituições profundamente populares que vivem com dificuldades, é certo, mas que não estão dispostas a perder a sua dignidade a troco dum punhado de dólares.

Jornalista