Com a globalização, a Europa do pós-guerra trocou a colonização por outra interdependência, ao transferir a produção industrial para países emergentes e periféricos. Contudo, desde 2020 que se assiste a um processo complexo em que estas cadeias de valor, e a logística que lhes está associada, entraram em disrupção. A pandemia evidenciou que estamos reféns de fornecimentos do Extremo Oriente. O que sucedeu, então, com os equipamentos de saúde, complicou-se quando, nos meses subsequentes, percebemos que coisas simples mas indispensáveis – como perfis de alumínio, cabos elétricos e componentes para as obras públicas e para a indústria – não estavam disponíveis a preços comportáveis e a um ritmo de entrega fiável. Depois, também ao nível dos produtos mais elaborados, como os semicondutores, a nossa indústria que deles depende entrou em crise, por não encontrar de fornecedores e não ter capacidade endógena instalada.
A confiança do procurement europeu está abalada, e temos a noção de que o conforto de termos fornecedores longínquos e baratos já não é compatível com as necessidades. Das nossas nas linhas de produção.
Já em 2020, Macron falava de «um momento de reconstrução, em que temos de nos reinventar», apelando a um intervencionismo seletivo, tal como sucedera na crise global de 2008, com a intervenção nos setores financeiros. Para Dominique Barjot, era urgente assumir o controlo de setores cruciais, sem continuar a depender de outros países.
Esta urgência impeliu os regimes mas liberais a recorreram a instrumentos protecionistas, com requisições, nacionalizações provisórias e indemnizações inéditas. Antes de abandonar o governo alemão, Merkel anunciava um programa de recuperação com medidas inéditas, que alguns catalogaram como capitalismo de Estado, com instrumentos de intervenção que previam a participação pública no setor privado, fundando novas empresas e recapitalizando empresas existentes. Também a Comissão Europeia anunciaria o Next Generation EU, um instrumento destinado a apoiar a modernização através da investigação e inovação. Do outro lado do Atlântico, os Estados Unidos apressaram-se a promover o Chip Act, com apoio e subsidiação da produção para semicondutores a fim de diminuírem a sua dependência da produção do extremo oriente.
Em suma, estamos no limiar de uma nova política económica em que os Estados se vêm na necessidade de intervir nas cadeias de produção, identificada que está uma falha de mercado de consequências imprevisíveis. Recorrendo a Foucault, passamos de um Estado sob a vigilância dos mercados para um mercado sob a vigilância do Estado. Não se trata de uma alteração temporária, resultante da ‘economia de guerra’’: é um novo paradigma em que a otimização do custo dará lugar à otimização do valor e da resiliência. É nessa linha que se insere a estratégia de apostar em Sines como polo de produção de energia limpa, atraindo empresas que necessitam desse recurso escasso. Não tendo o nosso Estado e as nossas empresas os recursos necessários, estamos dependentes da atração de investimento estrangeiro. À falta de competitividade fiscal, resta-nos utilizar os recursos disponíveis, simplificar os processos, diminuir a burocracia. É importante que a crise política não crie um ambiente de suspeição que, afetando os decisores públicos e privados, venha a colocar em risco o que era uma oportunidade para Portugal.