Guerra na Ucrânia com fim incerto

No G20, Putin disse que a Rússia nunca recusou conversações de paz com a Ucrânia’, mas Kiev mantém total desconfiança em relação a Moscovo

Passados quase 700 dias do início da invasão russa – o conflito mais devastador na Europa desde a Segunda Guerra Mundial –, o fim não se prevê para breve. A contraofensiva ucraniana continua a avançar a um ritmo lento, mas o território reconquistado aos russos já é considerável, principalmente nas regiões de Kherson e de Kharkiv. A chegada do inverno tem também um papel importante na estratégia militar – como teve em 2022 – e pode revelar-se decisivo. 

Vladimir Putin, na cimeira virtual do G20, utilizou pela primeira vez a palavra “guerra” para caracterizar o conflito e mostrou a intenção de parar com a “tragédia”, acrescentando ainda que “a Rússia nunca recusou conversações de paz com a Ucrânia”.

As mais recentes declarações de Davyd Arakhamia, líder da delegação ucraniana no início do conflito, levantam novos debates acerca da possibilidade de paz e dos objetivos do bloco ocidental.

O problema da desconfiança

Davyd Arakhamia, também conhecido pelo pseudónimo David Braun, nasceu na Rússia e é um deputado ucraniano, responsável pela delegação da Ucrânia nas negociações com os russos em março de 2022. A recente entrevista que deu à estação televisiva ucraniana 1+1, pode colocar em cheque o ex-primeiro-ministro britânico Boris Johnson e descredibilizar o ocidente: “A delegação russa acreditou, até ao último momento, que nos podia pressionar a assinar tal acordo, assumindo a neutralidade [não aderindo à NATO], e era o mais importante para eles. Estavam prontos para acabar com a guerra se assumíssemos a neutralidade”. Arakhamia acrescentou ainda que ,quando regressaram de Istambul, onde decorreu a negociação, “Boris Johnson veio a Kiev e disse ‘Não vamos assinar nada com eles. Vamos para a guerra’”. O ucraniano visa também pontos importantes como a necessidade de alterar a constituição em caso de acordo e a desconfiança em relação aos russos, que historicamente têm dificuldade em cumprir acordos. Desconfiança esta que não se confina à Rússia de Putin, que anexou ilegalmente a Crimeia em 2014, mas data desde o Holodomor – durante a ditadura de Estaline – e passa pelo memorando de Budapeste e pelos acordos de Minsk. O alargamento da NATO para junto das fronteiras com a Rússia, quebrando o acordo feito com Gorbachov aquando do colapso da União Soviética, pode ter conduzido à ação de Putin, como previa George Kennan – embaixador americano na URSS e um dos pensadores mais importantes da Guerra Fria – em 1998, quando se discutia o alargamento da Aliança Atlântica. 

O caminho sinuoso para a paz

Vladimir Putin apresentou-se na cimeira virtual do G20 com uma atitude pouco habitual: demonstrou a intenção de colocar fim à guerra. Porém, após 646 dias e vários territórios ucranianos ocupados, a negociação será consideravelmente mais difícil do que teria sido em março de 2022. Winston Churchill, quando se discutia a possibilidade de negociar com Hitler, declarou que “Não se argumenta com um tigre quando já se tem a cabeça na boca dele”. 

O bloco ocidental, no apoio à integridade territorial de uma democracia e com o consequente desgaste da economia russa, necessita de uma vitória diplomática, já que uma vitória inequívoca de Putin significaria um abalo para a ordem internacional liberal e contribuiria para uma ainda maior instabilidade geopolítica.

Mas, mesmo com o fim do conflito, o processo de estabilização e coexistência pacífica – não só Moscovo-Kiev, mas também de todos os Estados vizinhos do Kremlin – será longo e marcado por dificuldades, principalmente quando um dos interlocutores não representa uma democracia plena. Igor Gretskiy, um académico russo, defende – na sua obra Negotiating Reconciliation in Peacemaking – que é essencial haver um “Reconhecimento de erros políticos passados e pedidos de desculpas”, acrescentando que a perceção mútua e a institucionalização dos processos de reconciliação são pontos fundamentais para a obtenção da paz sustentável. Nestes textos, em que aborda a reconciliação – ou tentativa – russo-polaca, o autor assume uma posição sociopsicológica, em que o processo de reconciliação consiste na “mudança das motivações, convicções e emoções das partes em conflito, olhando para o passado para que sirva de base a uma relação de paz sustentável”. 

Estamos perante uma guerra que se prolongará e em que o processo de paz – com base na contenção à Rússia – será ainda mais longo. 

Uma vitória ucraniana rápida é utópica, e as negociações parecem ser a melhor solução, ainda que não sejam tão benéficas para os ucranianos como poderiam ter sido em março do ano passado.