Liberté, egalité, fraternité…

O entusiasmo destas três palavras ‘mágicas’ levou-nos a revoluções do pensamento, mas também a revoluções sociais enormes.

Estas palavras podem dizer-nos pouco, em Portugal, mas estão na base da grande Revolução Francesa, no século XVIII, que se quis emancipar dos poderes estabelecidos para iniciar uma geração com maior liberdade, igualdade e fraternidade. Se quisermos ser justos, estes são os valores do cristianismo. Quanto à liberdade, sabemos que o cristianismo tem procurado libertar a própria liberdade que se encontra ferida desde o princípio. As palavras de São Paulo são absolutamente inegáveis, a partir da nossa experiência: “Quero fazer o bem, mas é o mal que se me apresenta. (…) Faço o mal que não quero e o bem que quero não faço. Infeliz de mim… Quem me libertará deste corpo de morte” (Ro 7, 18-21). Quanto à igualdade, o cristianismo foi absolutamente inovador.

Também o próprio São Paulo expressou essas mesmas palavras: “Já não há judeu, nem grego, já não há escravo ou homem livre, já não há homem nem mulher. Porque todos somos um só no Messias (Cristo)” (Gal 7, 22-23). Também quanto à fraternidade, parece-me que é claro: Temos todos um só Pai, que é Deus! E, portanto, somos todos filhos de Deus, irmão uns dos outros. Ao lermos o livro dos Atos dos Apóstolos aparece-nos, claramente, a vida das primeiras comunidades onde se colocava tudo em comum, inclusivamente os próprios bens. Algo que para nós seria, hoje, impensável. Olhando para a história da Igreja, percebemos que ainda está tudo muito no início e os dois mil anos que estão para trás são uma busca inequívoca da vivência destas palavras. Umas vezes conseguimos colocá-las em prática, outras vezes não. O que falhou, ou o que está a falhar? No fundo, o mesmo de sempre: a ingenuidade de todos nós perante o pecado! De fato, o pecado tem um poder enorme de destruir todos os nossos sonhos, mas não tem o poder de destruir o sonho de Deus que não para de nos procurar. No fundo, ao longo da história temos procurado sempre a libertação da escravidão que nos habita para formarmos uma sociedade de iguais e de homens fraternos.

Basta olharmos para os escritos de todos os filósofos gregos, ou primeiros padres da Igreja. Basta olhar, por exemplo, para os homens sem fé que procuraram elaborar sociedades utópicas, mesmo sem a base da fé: o caso de Emmanuel Kant é paradigmático. O entusiasmo destas três palavras ‘mágicas’ levou-nos a revoluções do pensamento, mas também a revoluções sociais enormes. Acontece que sempre falhamos e, podemos dizer, parece que está tudo muito pior ou, pelo menos, muito paradoxal. Se por um lado queremos implementar a liberdade, por outro lado estamos a limitar cada vez mais a liberdade. Se por um lado queremos que haja igualdade entre nós, vemos que não conseguimos fazer parar as desigualdades. Por fim, se sonhamos num mundo baseado na fraternidade – como é o caso do Papa Francisco na sua encíclica Fratelli Tutti – vemos que nos falta um pai comum que ponha ordem em nós.

O que me leva a dizer isto? Para além de todas as atrocidade que temos visto acontecer no mundo, levados a cabo pela Rússia e pelo Hamas, parece que estamos a limitar cada vez mais a liberdade dos cidadãos. O Tribunal de Justiça da União Europeia decretou que empresas públicas podem proibir que os trabalhadores usem símbolos religiosos no seu local de trabalho. Tudo porque não queriam que uma muçulmana – na Bélgica – usasse burca quando vinha para o trabalho.