A Comissão Independente considera Alcochete como a melhor alternativa para a localização do novo aeroporto de Lisboa. Não tenho conhecimentos sobre questões aeronáuticas e, nesta perspetiva, não me custa aceitar que seja a melhor solução.
Também não sou especialista em questões ambientais, mas confesso a minha estupefação por, num país em que os sobreiros podem inibir qualquer projeto, se relativizar que Alcochete implique o abate de milhares destas árvores protegidas. Isto ao mesmo tempo que se conclui que o Montijo é indesejável por causa das aves e Alverca por ficar parcialmente na reserva natural do estuário do Tejo.
No Montijo já existe um aeroporto militar, e não consta que as aves distingam entre aviões militares e civis. Acresce que quer Montijo, quer Alverca beneficiam do potencial da via fluvial do Tejo para garantir a mobilidade dos passageiros, com impacto mínimo no ambiente. Estas duas soluções dispensam novas travessias e infraestruturas que, essas sim, têm impactos ambientais significativos ainda por avaliar.
Relativamente ao ordenamento e integração estratégicas, se Alcochete não precisa de ferrovia enquanto coexistir com o Aeroporto Humberto Delgado, isso altera-se quando passar a concentrar todo o tráfego aeronáutico. Aí, vai necessitar de uma terceira travessia sobre o Tejo (Chelas-Barreiro), para poder ter as imprescindíveis acessibilidades rodoferroviárias. Este investimento custará entre mil e dois mil milhões de euros, um montante que não é valorizado no estudo porque os autores consideram que a nova travessia e também a Alta Velocidade são projetos-âncora, autónomos e pré-definidos.
Ora, não cabe nas competências da Comissão definir se a travessia é um fator constante, logo necessário, mesmo se o aeroporto não for construído. Da mesma forma, a Comissão não pode presumir que o TGV vá até Alcochete e desvalorizar o respetivo custo, uma vez que este projeto não está, que se saiba, previsto. E ninguém duvida que, se o TGV sair de Lisboa pelo sul, com paragem em Alcochete, o trajeto da Alta Velocidade implicará 20 minutos ou mais na ligação ao Norte, relativamente ao que foi calculado. Isto constitui uma séria ameaça à viabilidade da nova linha, cuja racionalidade depende da equação entre o investimento e o ganho de tempo no percurso.
Temos ainda a questão dos termos da concessão e da TAP. Como se pode, com ligeireza, dispensar a solução do Montijo, que seria paga pela concessionária e ficaria rapidamente operacional, e defender um aeroporto que não está operacional antes do fim da década e terá de ser custeado pelo erário público? Como se pode insistir numa infraestrutura aeroportuária gigantesca, quando se sabe que o hub de Lisboa depende em 50% dos slots de uma companhia, a TAP, cujo futuro é ainda desconhecido? E será que alguém acredita que temos recursos financeiros para, sem prescindir de outros investimentos urgentes, construir um mega-aeroporto, uma nova travessia e uma nova rede de TGV em bengala?
Mais: será que, no horizonte pós-2035, o país e em particular Lisboa vão ter capacidade para acolher o fluxo de pessoas resultando do aumento exponencial do tráfego aéreo? E é este o modelo de desenvolvimento que desejamos para Portugal e para a sua capital, previsíveis que são os impactos de um aeroporto desta dimensão num contexto de emergência climática e de excessiva turistificação de Lisboa?
Há quem acredite que somos um país rico, cheio de especialistas livres de lóbis. Mas o que somos, de facto, é uma reserva natural de elefantes brancos.
A reserva dos elefantes brancos
Como se pode insistir numa infraestrutura aeroportuária quando se sabe que o hub de Lisboa depende em 50% dos slots da TAP, cujo futuro é ainda desconhecido?