O projeto de construção do novo aeroporto deveria estar a ser avaliado de forma integrado com outras infraestruturas, nomeadamente rodoviária e ferroviária. A garantia é dada ao Nascer do SOL por António Mendonça, Bastonário da Ordem dos Economistas e antigo ministro ex-ministro das Obras Públicas socialista.
«Um aeroporto é uma infraestrutura muito importante para o país, que tem de servir para centenas de águas de anos e teria de ser desenvolvido de forma articulada com o sistema ferroviário, rodoviário e com as ligações norte-sul. No entanto, parece que cada projeto é visto por si», considerando que «há uma falta de capacidade de ver os projetos de forma integrada, além disso toda a gente acha que sabe o que é melhor para o país, o que é uma manifestação de falta de confiança das capacidades técnicas nos especialistas que fazem os estudos».
Em causa está a decisão da Comissão Técnica Independente (CTI) que avaliou as várias soluções para o futuro aeroporto e apontou o campo de Tiro de Alcochete como a melhor localização. E, apesar de Alcochete prescindir, numa primeira fase, de uma ligação ferroviária, a passar para aeroporto único irá forçar a construção de uma nova travessia do Tejo. A ponte Chelas-Barreiro chegou a ser anunciada pelo ex-ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, no Plano Ferroviário Nacional que deveria estar concluído até 2050, a par do projeto de alta velocidade.
António Mendonça aponta ainda o dedo ao facto de esta decisão estar ‘nas mãos’ da ANA-Aeroportos. «Estas discussões com a ANA não fazem sentido, aquilo que é o interesse estratégico de um país não pode estar dependente de uma empresa concessionária por muito importante que ela seja e por muito respeito que tenhamos com isso», afirmando que isso «também revela as decisões apressadas que tomámos no passado, em função de encaixe financeiro de curto prazo sem ver as consequências a longo prazo. O drama do país é este».
O presidente do conselho de administração da ANA já veio afirmar que o Montijo continua a ser a melhor hipótese e disse que o relatório da comissão técnica independente apresenta dados pouco concretos. «Este relatório seguramente terá méritos. Tem um conjunto de erros, um conjunto de problemas e um conjunto de dados pouco precisos e pressupostos que estão manifestamente errados», defendeu José Luís Arnaut na CNN Portugal, considerando que a solução apresentada é «de longo prazo» e não «de curto prazo».
Críticas que ganham maiores contornos depois de a coordenadora da Comissão Técnica Independente ter referido que «estamos nas mãos da ANA» sobre o novo aeroporto de Lisboa. Maria do Rosário Partidário defendeu também a renegociação do contrato de concessão com a empresa e a passagem da gestão das taxas aeroportuárias do concessionário para o regulador, a Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC), numa entrevista à Rádio Renascença e ao Público. Contactada pelo Nascer do SOL, a ANA não prestou qualquer esclarecimento.
Impasse continua
Apesar de ter uma visão otimista, António Mendonça reconhece que Portugal está a ficar atrasado em relação a outros países europeus e à nossa própria integração nas redes europeias de transportes. «Perdemos muito tempo e vamos continuar a perder. O projeto de construção vai demorar quase uma década e poderá ser pior se não houver mais um adiamento e não podemos excluir essa hipótese como o país está».
Uma situação que leva o responsável a reconhecer que isso só revela o que o país tem sido nas últimas duas décadas. «Há uma incapacidade de tomar decisões, andamos a repetir tudo, assistimos a custos adicionais perfeitamente desnecessários e a comissão técnica ainda agora terminou os seus trabalhos e parece que as dúvidas relativamente às decisões permanecem. O PSD vai fazer um grupo de trabalho para avaliar as conclusões e o próprio primeiro-ministro também abriu hipótese de poder optar por outros critérios», referiu ao nosso jornal.
O Bastonário da Ordem dos Economistas reconhece ainda que não estamos perante uma solução nova face ao que já existia há 12 anos e lamenta que nesta decisão não tenha sido contemplado o futuro da TAP. «A constituição de um hub em Lisboa como se pretende fazer não pode estar desligado de uma empresa estratégica como a TAP. É importante pensar e articular o que se vai fazer com a TAP e que tem de ser equacionado com a questão aeroporto».
Ainda esta semana, o presidente da companhia aérea não quis comentar as opções da CTI para a localização do novo aeroporto, dizendo apenas que deve ser eficaz. «A TAP só quer que o aeroporto de Lisboa tenha as condições de funcionalidade e eficiência que qualquer aeroporto de uma cidade civilizada e moderna da Europa ocidental tem de ter. A nossa missão é levar passageiros de um lado para o outro, seja qual for o aeroporto», afirmou.
Quanto à privatização da TAP, outro dossiê adiado para o futuro Governo, Luís Rodrigues acredita que não será fácil concluir o processo em 2024 devido à queda do Executivo. Ainda assim, continua a defender a sua alienação. «Fácil não é. Vamos ter um Governo, se tudo correr bem, em abril ou maio. Depois temos o verão, sempre muito intenso. É possível, mas não é fácil, mas não é uma decisão nossa», concluiu.
Apesar destes impasses, o Aeroporto de Lisboa continua a bater recordes de passageiros. Ainda esta semana o Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou que nos primeiros dez meses do ano, o número de passageiros movimentados nos aeroportos nacionais aumentou 20,6% face ao mesmo período de 2022 (+12,2% face a igual período de 2019). O destaque vai para o aeroporto de Lisboa que movimentou 49% do total de passageiros (28,7 milhões), tendo crescido 21,3% quando comparado com o mesmo período de 2022 e 7,7% face ao mesmo período de 2019.
Isto quando o esgotamento da Portela tem sido tema nos últimos anos e já em 2012 se dizia que o aeroporto atingiria o limite em 2017 quando atingisse os 16 milhões de passageiros.
Ainda no ano passado, o Governo assumia que o crescimento do tráfego aéreo «tem sido particularmente expressivo no Aeroporto Humberto Delgado, onde o número de passageiros subiu 140 % entre 2009 e 2019». Uma situação que «levou ao esgotamento da capacidade desta infraestrutura aeroportuária». E acrescentava: «Desde 2017 o Aeroporto dava sinais de profunda saturação, tendo levado, no período pré -pandemia, a recusas sistemáticas a companhias aéreas que se mostravam interessadas em voar para Lisboa, mas não tinham slot, com óbvias consequências negativas para a economia nacional». Nessa altura, o Governo estimava que o tráfego aéreo previsto para a região de Lisboa possa mais do que duplicar nas próximas décadas, «colocando uma pressão insustentável sobre o Aeroporto Humberto Delgado».
Mas nem todos concordam com este esgotamento. João Soares chegou a admitir ao Nascer do SOL que o aeroporto está longe de estar esgotado, lamentando que «essa história esteja a ser repetida há mais de 50 anos». O antigo presidente da Câmara da capital recordava: «Tenho vindo a dizer isso desde que fui autarca em Lisboa e já saí da Câmara em 2002». A solução, no seu entender, passa por resolver o problema na aerogare.
Também o especialista em aviação Pedro Castro chegou a recordar ao nosso jornal as declarações de Ferreira do Amaral, enquanto ministro das Obras Públicas que afirmou na Ota que, quando Lisboa chegasse aos 16 milhões de passageiros, esgotava. «Lisboa, em 2019, teve 31 milhões de passageiros. Se tivéssemos acreditado em Ferreira do Amaral em 95, ou se tivesse acontecido aquilo que disse, na altura, nunca estaríamos aqui para dizer que mentiu ou que estava errado. Afinal o aeroporto não acabou nos 16 milhões. Temos de ter a consciência que há aqui uma vontade política muito grande de desacreditar este aeroporto, de fazer o mais possível, inclusive não fazer qualquer investimento e deixá-lo a cair de podre para impingir a tal solução», atirou.