O caso das meninas gémeas brasileiras tratadas em Portugal suscitou-me dúvidas logo de início. A primeira foi a dimensão que o caso rapidamente assumiu. Há assuntos graves que morrem à nascença. Ora, como explicar o estardalhaço mediático à volta de um tema que não parecia ter grandes pernas para andar? A experiência diz-me que isto acontece normalmente quando estão envolvidas forças políticas.
A segunda coisa que me surpreendeu foi o aparecimento de tanta gente de esquerda a falar do assunto. É vulgar ver-se a esquerda proteger os imigrantes contra a ‘xenofobia’; aqui, porém, passava-se um pouco o contrário: era a esquerda a insurgir-se contra o suposto favoritismo dado a duas «gémeas brasileiras». Se fossem portuguesas, parece que o problema seria diferente…
Finalmente, estranhei o facto de se criticar o tratamento dado a meninas doentes. Uma coisa é falar de casos em abstrato – outra, diferente, é discutir um caso concreto envolvendo questões de saúde.
Tenho defendido que é necessário regular a imigração – e, por extensão, o tema dos imigrantes que vêm tratar-se a Portugal. Concordo que devemos aceitar doentes dos PALOP em cujos países não haja meios técnicos para os cuidar. É um problema humanitário. Que, no entanto, tem de ser regulamentado, para evitar desigualdades.
Porém, defendendo eu isto, soa-me estranho ouvir criticar o tratamento feito às duas meninas gémeas brasileiras. É como recusar cuidados de saúde a um doente que surge à porta do hospital em perigo de vida.
Mas passemos ao papel do Presidente da República, que tem sido o principal visado neste caso.
Conheço-o há muitos anos e sei que sempre desenvolveu em silêncio tarefas humanitárias. Já muito antes de ser Presidente ia a hospitais visitar doentes acamados. E embora goste da luz dos holofotes, fazia-o sozinho, sem jornalistas por perto.
Entretanto, independentemente dessa sua vocação, o que fez neste caso concreto? Perante um apelo dramático que recebeu, não tendo poderes para decidir sobre ele, remeteu-o para quem de direito. Quando eu dirigia jornais, sempre que me colocavam assuntos fora dos meus poderes de decisão eu reencaminhava-os para o departamento competente. Ou seja: para quem tinha a responsabilidade de deliberar sobre os temas em causa.
O Presidente da República fez, portanto, o que deveria fazer: remeteu o caso para o Governo, através do gabinete do primeiro-ministro. Não poderia fazer outra coisa.
Seria isto uma pressão? Recebeu por isto qualquer contrapartida, algum benefício? Que se saiba, não.
Diz-se que o seu filho Nuno desenvolveu contactos junto de organismos estatais. Mas será o Presidente responsável pelo que o filho faz? O filho é adulto, não é uma criança dependente do progenitor nem agindo às suas ordens. Mesmo que invoque o nome do pai, todos sabem que isso não vale nada.
O certo é que, não tendo este caso ponta por onde se lhe pegue, está a discutir-se há três semanas, sem um único elemento novo. São opiniões atrás de opiniões, que não acrescentam nada. E que apenas mostram que há quem esteja interessado em alimentá-lo artificialmente.
Os meus leitores sabem que tenho sido por vezes muito crítico em relação a Marcelo Rebelo de Sousa. Sabem também que não defendo a imigração descontrolada nem os privilégios dos imigrantes sobre os cidadãos nacionais, o que por vezes acontece.
Mas uma coisa é isso, outra é usar duas meninas doentes que só podiam ser tratadas em Portugal como armas de arremesso político.
Tudo começou quando Marcelo não aceitou a substituição de António Costa por Mário Centeno e desfez a maioria absoluta socialista, dissolvendo o Parlamento. Aí, o PS pensou: ‘Cá se fazem, cá se pagam’. E foi à procura de um pretexto para entalar o Presidente da República. Pegou então num caso com quatro anos, que até tinha um paralelo com o que alegadamente levou António Costa a demitir-se.
Se o nome de Costa foi usado pelo seu amigo Lacerda Machado como forma de pressão, o nome de Marcelo teria sido usado pelo seu filho Nuno. Se o caso que envolveu o Governo se chamava ‘Influencer’, neste caso o Presidente teria movido ‘influências’.
O paralelo é evidente. Tudo indica, pois, estarmos perante uma vingança politica.
Repito: nesta questão, Marcelo apenas fez o que devia. Não sei se o secretário de Estado Lacerda Sales quis ser simpático para com ele, fazendo andar o assunto mais depressa. Não sei se os médicos de Santa Maria quiseram ser simpáticos para com o secretário de Estado, dando rápido seguimento a uma sua eventual solicitação. Não sei nada. Sei é que se anda há três semanas a debater um caso sem nada de novo, com o único objetivo de comprometer o Presidente da República.
Não estava para escrever sobre este tema e só o faço pelas proporções que tomou. E por me parecer uma patifaria.