Leopoldina Simões coordenou a comunicação no Santuário de Fátima durante cerca de 12 anos e participou em três Jornadas Mundiais da Juventude, a última das quais em Lisboa, como membro das equipas de comunicação. Atualmente, integra a comissão de comunicação do Sínodo dos Bispos.
Ser uma mulher na Igreja e assumir um espaço de responsabilidade continua a ser difícil?
Pessoalmente, nos projetos em que trabalhei e trabalho, em organismos da Igreja ou noutros, nunca senti que me tenha sido atribuído maior ou menor espaço de responsabilidade por ser mulher. Encontrei por vezes outros problemas, como agendas próprias, amiguismos, favoritismos, que nada têm que ver com ser-se homem ou mulher, e que são problemas comuns a outras áreas da nossa sociedade. Na Igreja em Portugal tem havido evolução. As mulheres têm sido chamadas a funções importantes, a meu ver não por serem mulheres, mas pelo seu valor, em razão da sua competência. Alguns exemplos: temos uma reitora na UCP, uma diretora na Cáritas, outra no Secretariado Nacional das Comunicações Sociais, tivemos uma senhora no Secretariado Nacional da Educação Cristã, na área da comunicação da Igreja também somos várias.
Já ao nível da Igreja Universal, a meu ver o Papa Francisco tem tomado a decisão objetiva de dar visibilidade às mulheres. Ele sim, quando decide atribuir ou reformular funções tem decidido escolher mulheres, certamente que escolhe aquelas que entende com as características necessárias para a função, mas opta por mulheres, como um sinal, como que a mostrar como se pode fazer. Várias mulheres foram chamadas a exercer funções no Vaticano, com a constituição apostólica Praedicate evangelium passou a permitir que integrem lugares de chefia na Cúria Romana. Se pensarmos no organismo Sínodo dos Bispos, pela primeira vez, tem uma subsecretária; na assembleia sinodal de outubro último, também pela primeira vez, duas mulheres (uma da América latina e outra japonesa) foram presidentes delegadas, e isto a juntar às que foram convocadas mulheres para esta assembleia, algumas delas com direito de voto.
Uma das perguntas lançadas no relatório do Sínodo é: “Como é que podemos fazer com que as mulheres se sintam parte integrante desta Igreja missionária?”. Como poderá isto ser feito?
Aquilo que referi da minha experiência, de não ter me sentido valorizada ou desvalorizada por ser mulher, e mãe, não podemos ser ingénuos, não é universal, nem é de sempre. As realidades do mundo são tão diferentes de região para região que, como em tudo, é melhor não fazer generalizações. Ouvir na primeira sessão Assembleia do Sínodo dos Bispos as partilhas das mulheres sobre elas mesmas e ouvir os participantes homens a falar no papel das mulheres na Igreja ajudou-me a confirmar isso mesmo. Falou-se de sociedades matriarcais mas também naquelas em que ser mulher ainda é fator de descriminação, de lugares geográficos e organismos onde as mulheres são consideradas na sua função na sociedade e nas famílias, mas de outros contextos ainda subsistem discrepâncias, por exemplo, na atribuição de salários, ou as relacionadas com a desvalorização da mulher enquanto pessoa quando envelhece. A ideia que este sínodo sobre sinodalidade nos continua a propor é a refletir como se pode fazer mais para a valorização da mulher, para que em conjunto homens e mulheres possam dar o seu contributo para a Igreja e para a sociedade.
Que comentário faz a esta declaração do Papa Francisco: “Um dos grandes pecados que cometemos é ‘masculinizar’ a Igreja”.
Pessoalmente, quando na Assembleia Sinodal de outubro se começou a refletir sobre o tema da dignidade da mulher, dei por mim a pensar: ‘Mas ainda há dúvidas quanto a isto, ainda temos de refletir sobre isto?!’. Mas depois, lá está, sabemos que ainda há caminho a fazer. A afirmação do Papa foi proferida num contexto específico, diante da Comissão Teológica Internacional, da qual fazem parte poucas mulheres e o Papa pediu desculpas por isso. Reafirmou que a Igreja é mãe e que devemos desmasculinizá-la. A afirmação foi feita a este grupo a quem cabe refletir, entre outros temas, sobre a teologia da mulher, por isso o recado. Numa das congregações finais da Assembleia Sinodal ele interveio para dizer entre outras referências, como aquela de que gosta de pensar a Igreja como povo simples, humilde, mas consciente da sua dignidade, que as mulheres sabem esperar, sabem descobrir recursos na Igreja e que são elas que mesmo a medo arriscam, não desistem. Entendi nisso o propósito de dizer que a Igreja pode melhorar aquela característica materna, de mãe, de colo.
O Papa Francisco insiste que as mudanças vêm de baixo e que aquelas que vêm de cima correm o risco de não prosperar. Estamos nesse caminho?
Ele claramente insiste naquilo que tem sido descrito como uma inversão da pirâmide hierárquica, no sentido da colaboração, da escuta, do diálogo com todos. Por estes dias, o secretário-geral e o relator do Sínodo dos Bispos enviaram uma carta aos bispos do mundo a pedir que o Relatório Síntese da assembleia sinodal de outubro seja de novo apresentado às Igrejas locais, às paróquias, aos movimentos, aos grupos mais ou menos organizados. Esta restituição é a expressão usada, a quem colaborou nas fases sinodais anteriores e onde se pretende que mais venham a contribuir, mostra que o Papa pretende o contributo seja alargado, no sentido de uma maior corresponsabilidade na reflexão, no apoio à tomada de decisão, que depois terá de ser tomada por quem tem esse poder nas mãos. O objetivo é que quem toma a decisão, em cada âmbito, oiça, escute, se aconselhe, numa clara redefinição das estruturas de poder.
A escuta e o discernimento são elementos fundamentais no processo sinodal. Como é que a escuta e o discernimento são diferentes quando são levados a cabo por mulheres?
A escuta e o discernimento realmente são elementos fundamentais no processo sinodal, o Papa insiste que este é o método que se espera da Igreja no século XXI, o do diálogo no Espírito. A meu ver são olhares diferentes, mas que complementam, ambos são necessários.
Os defensores da ordenação sacerdotal de mulheres acreditam que a “porta fechada” está, afinal, apenas encostada. Concorda?
A reflexão não surge agora. Como na sociedade em geral, a polarização é um problema, e também na maneira de entender o futuro da Igreja. Alguns andam cheios de medo de a porta abrir, outros de ela se fechar. Das mulheres que conheço, e conheço muitas, refiro-me por exemplo a freiras e religiosas, não costumo ouvir o anseio de serem ordenadas, mas isso é a minha experiência. De outro modo, aquando da realização da assembleia sinodal um grupo manifestou-se em Roma pela ordenação das mulheres, há organismos que erguem essa bandeira, como outros grupos defendem outras bandeiras que sempre são referidas quando se fala de Igreja. É um dos temas que o Relatório de Síntese da Assembleia Sinodal indica que deve continuar a ser refletido.
Será possível e desejável encontrar alternativas à ordenação das mulheres?
Uma partilha pessoal, porque outro contributo talvez não saiba dar. Comecei há pouco a colaborar com um projeto informativo dos Estados Unidos da América só sobre freiras, o Global Sisters Report. Neste projeto só as freiras são notícia, pelo trabalho que fazem, a tantos níveis, em áreas tão diferenciadas, dependendo dos carismas de cada congregação, em alguns casos na ajuda aos pobres e doentes, noutros na ação contra o tráfico de seres humanos, contra as limitações da dignidade da mulher, em medidas a favor da proteção da infância, por receberem prémios de investigação internacionais, em missões junto das pessoas na sua velhice, e outras milhares de histórias de vida e de missão. As mulheres, desde as primeiras que acompanharam Jesus, se participam, se são chamadas a contribuir, se sentem que podem contribuir, são ativas, empenham-se, com gosto e determinação, do ponto de vista intelectual e da concretização, mesmo nos momentos mais difíceis.