Natal. Para uns uma festa, para outros um inferno

A época natalícia é uma festa para os mais pequenos e para famílias felizes. Para aqueles que não se suportam e têm de estar à mesa com os ‘inimigos’ é um pesadelo. Assim como para aqueles que perderam familiares recentemente.

É uma data que se quer de festa, mas que, como muitos sabem, nem sempre começa e acaba bem. A ‘obrigatoriedade’ de juntar famílias e amigos que, em alguns casos, não se dão no resto do ano, pode trazer dissabores à noite de Consoada e ao próprio dia de Natal. Mas isso é outra história e já lá vamos.

Comecemos pela loucura dos presentes, que transforma as cidades num verdadeiro inferno, pois a ‘necessidade’ de comprar os presentes faz com que todos os caminhos vão dar aos centros comerciais e demais comércio de rua. Filas intermináveis fazem de dezembro um dos piores meses no que à poluição atmosférica diz respeito, pois o pára-arranca assim o determina. Se a isso juntarmos agora as manifestações dos ‘tontos’ que lutam contra as alterações climáticas, sendo eles próprios causadores do agravar do problema, percebemos como o ‘ar’ que todos respiramos fica mais ‘ferido’.

Como que por artes mágicas, todos querem oferecer algo a um familiar ou amigo e o bolso vai ficando (ainda) mais vazio. Se quem oferece acaba por ter de compensar com a diminuição de gastos em janeiro, quem vende vê no Natal uma excelente oportunidade para faturar o que não faturou no resto do ano. 

Mas no que diz respeito aos presentes, também aqui se vê muito da personalidade da pessoa. Os mais ajuizados vão juntando, ao longo do ano, as prendas que querem oferecer no Natal, enquanto os menos ‘ajuizados’ guardam todas as compras para a última hora. Digamos, seguindo os ditados populares, que nos primeiros o dinheiro é fêmea, se é que ainda se pode usar tal expressão, nos outros o dinheiro é macho. 

Por outro lado, nos últimos tempos são cada vez mais as famílias e amigos que optam por trocar os presentes no Dia de Reis, já que a seguir a 25 de Dezembro abre a época dos saldos, e aquilo que se podia comprar por determinado valor, em muitos casos, fica depois a metade do preço. “Os meus filhos já sabem que os presentes só aparecem quando os saldos começam, isto se quiserem boas surpresas. Se forem coisas simples, aí recebem no dia de Natal”, contava ao nosso jornal uma dedicada mãe.

Comer este mundo e o outro 

O Natal não é, seguramente, uma época de tristeza para a maioria das pessoas, que aproveita para estar ao lado daqueles de quem mais gosta, à volta da mesa. E aqui os excessos acontecem inevitavelmente. Mesmo que a mãe faça o bacalhau ou o polvo do costume na noite da Consoada, no dia seguinte não pode faltar o peru ou o cabrito. Daí não viria mal nenhum à barriga dos presentes, mas à mesa não faltam os enchidos, os queijos e os doces, sendo que muitos também incluem marisco para ir ‘picando’. “Não me digas que não vais comer o bolo de bolacha que eu fiz?”, ouve-se. Ao lado, alguém reclama que não tocámos na baba de camelo, no pudim de ovos, nas rabanadas, nos sonhos ou no arroz doce, uiii. Não há estômago ou barriga que não proteste, mas nada como um Natal doce. Eu, por mim, adoro esses excessos. 

Mas à mesa não se come apenas, pois é preciso beber para brindar à vida e muitos acabam por ficar num estado idêntico ao do peru na véspera de Natal. Para os mais novos diga-se que a expressão vem do facto de antigamente se matar o peru em casa, embebedando-o, penso que para dar sabor à carne e para o bicho não morrer em stress, evitando-se que o sangue se espalhasse pela cozinha.

Quando acaba o Natal, é natural que a balança acuse o peso das iguarias comestíveis e etílicas, sendo por isso necessário esperar pelo passagem de ano, onde se fazem as promessas de emagrecimento, havendo, calculo eu, um aumento de inscrições nos ginásios nos primeiros dias do ano novo.

Sentimento de ausência 

Como já se percebeu, o Natal para uns é uma alegria, mas para outros é um pequeno inferno. Comecemos por aqueles que vão passar o primeiro Natal sem o pai ou mãe ou outro familiar que morreu recentemente. Mesmo que se faça o tradicional jantar e almoço, olha-se sempre para o lugar onde eles se costumavam sentar e aparece um vazio muito grande. Haverá outros casos ainda mais dramáticos e muitas pessoas acabam por entrar em depressão, como se verá ao longo das páginas desta edição impressa. Depois temos os casos dos ‘ajuntamentos’ forçados, onde alguns irmãos ou primos praticamente não se falam, mas são ‘obrigados’, até por uma questão de equilíbrio familiar, a sentarem-se à mesma mesa. Se no princípio das refeições ainda se consegue alguma paz, quando entram as questões de heranças, de dinheiro, partidárias, clubísticas ou do politicamente correto – há casos, calculo, em que alguém na noite de consoada quer ser tratado por Joaquim e no almoço do dia seguinte exige ser chamado de Joaquina – o caldo rapidamente fica entornado.

Como diria o grande Tony Soprano, os psicólogos e psiquiatras existem para isso mesmo. Para devolver alguma paz de espírito a quem dela necessita. O melhor é mesmo evitar discussões fraturantes!