De candeia acesa de dia como Diógenes

À procura de um espetáculo decente numa liga de jogos miseráveis como a última jornada mostrou

Infelizes nós! Azar o nosso! Mas não vale muito a pena andar por aí de candeia na mão como Diógenes. Ele procurava um homem honesto, de luz acesa em pleno dia, nós procuramos um ou outro jogo decente num campeonato a todos os títulos medíocre e aborrecido, é uma sina que temos há muitos anos, nada está para mudar tão cedo, nenhuma alma iluminada (ou homem honesto, por vir a propósito) da infame classe dirigente deste futebol de pacotilha irá alguma vez tomar a atitude que há muito se exige de reduzir o número de clubes que disputam a I Liga mais fraca de todas as primeiras ligas dos países em que o futebol é o desporto mais importante. Na última jornada os quatro primeiros defrontaram-se e, do bocejo que foi o Braga-Benfica ao jogo-do-pau em que se transformou o Sporting-FCPorto, ficámos com uma bela imagem daquilo que mais uma vez nos espera até que Maio nos liberte desta grandessíssima estucha, como diria o Alencar do divino Eça, e venha daí mais um Campeonato da Europa.

Aceitemos sem rebuço que, por ser o melhorzinho de todos e por possuir o jogador mais entusiasmante da prova (Gyökeres), o Sporting lidera com justiça a tabela da classificação. Sábado vai a Portimão e de lá sairá naturalmente vencedor, a menos que se dê o caso de uma paragem cerebral coletiva como a que sofreu em Guimarães recentemente. Como de costume, o Portimonense arrasta-se por aquela parte da lista de clubes que está à beira de perder o pé e é, naturalmente, um candidato natural à descida de divisão. Já se percebeu que é à custa destes pontos esbanjados contra os pichotes que o título se irá decidir. E, se não, ora observem estas duas particularidades incontornáveis: com duas derrotas consentidas, na Luz e em Alvalade, o FCPorto está somente a três pontos do primeiro posto; mesmo tendo vencido até ao momento FCPorto (casa), Sporting (casa) e Braga (fora), o Benfica está reduzido ao segundo lugar a um ponto dos leões. Veja-se ainda por cima o cúmulo da ironia: entre bater oSporting e o Braga, os encarnados perderam quatro pontos frente a Moreirense e Farense – se me dissessem que estão a fazer de propósito para perderem o campeonato juro que acreditava. E, se os seus adeptos julgam que hoje, pelas 18h45, podem contar com a vitória garantida perante o Famalicão recordo que numa destas jornadas que bordejaram o Natal o Benfica também já se deu ao luxo de desperdiçar mais dois pontos caseiros frente ao Casa Pia, com desculpas pela amostra de aliteração.

Tempos difíceis!

Passa o FCPorto por tempos difíceis, seja por via da derrota insofismável em Alvalade, de onde poderia ter saído vergado à custa de um resultado muito mais achincalhante, não fosse a imperícia de um árbitro horrível que só pode ser árbitro em campeonatos como o nosso, o cipriota e, vá lá, o búlgaro, seja pelas convulsões internas que têm vindo a público com uma ligeireza notável num clube que era conhecido por ter paredes de aço. Geralmente, em anos de eleições – ou melhor, de consagrações populares do presidente para o qual cada cem anos correspondem a um dia – o FCPorto é o favorito natural ao título. Afinal ninguém quer estragar a festarola parola do Senhor da Madalena… Mas desta vez parece que são os próprios portistas que resolveram dar tiros nos pés, já não bastava a incapacidade que tiveram de ir ao mercado noVerão. 

Não são de esperar muitas movimentações agora em Janeiro (Rui Costa falou de reforços para o Benfica mas não há quem não franza o sobrolho), nem a norte nem a sul, tão escasso é o dinheiro que os nossos grandes clubes possuem depois de terem andado anos a fio a desperdiçar milhões à fartazana como se fossem geridos por alguma espécie de Midas. E, se Sérgio Conceição não tiver reforços ao dispor, então ainda ficará com o feitio mais difícil, certamente, porque são nítidas as dificuldades com que lida para mascarar as deficiências de vários setores da equipa. Recebendo, igualmente hoje mas pelas 20h45, o Chaves, é de calcular que tenha vida fácil – só por manifesta incompetência é que os três grandes não batem facilmente os pequenos em casa, e não me venham com a ladainha maçadora de que os tais pequenos já surgem muito bem arrumados porque o que tenho visto em todos os encontros do género é o conjunto evidentemente superior a falhar tantas oportunidades de golo que acaba por se tramar quando comete um único e simples erro defensivo – que tudo continue na mesma na frente. 

Provavelmente, só em Fevereiro, quando voltarem os jogos das taças europeias, é que serão notórias algumas diferenças de equilíbrio, sobretudo físico. Porque, neste caso, o FCPorto sempre tem de fazer a melhor figura possível e Benfica e Sporting já fizeram suficientemente má figura, de tal ordem que se encontram na Liga Europa, essa segunda divisão dos clubes do Velho Continente. 

Só mesmo a conquista desta competição serviria para minimizar a queda dos dois clubes de Lisboa para um patamar que não devia ser o deles – embora a história de Benfica e Sporting na Europa também não seja comparável. Mas duvido muito que haja interesse em apostar fichas nos confrontos a meio da semana quando há muito nos habituámos a esta ideia de que o pontapé na bola lusitano é bom é confinado ao lar, para cá do Caia e de Badajoz, nas nossas guerrinhas de alecrim e manjerona que, infelizmente, cheiram mais a estrume do que a temperos.