Na mensagem de Natal, António Costa fez um curto balanço do seu legado, dizendo que deixa um país melhor. E por isso os portugueses devem ter «confiança no futuro». ‘Confiança’ foi a palavra que pautou toda a intervenção. O primeiro-ministro falou das catástrofes que enfrentou, como a pandemia e os incêndios, falou da diminuição do desemprego, da redução da pobreza e das desigualdades, da atração de investimentos e do aumento das exportações, da convergência com a UE.
E depois centrou-se em três pontos:
– O aumento das qualificações dos nossos jovens, que nos aproxima dos países europeus e nos dá boas perspetivas de futuro;
– O combate às alterações climáticas, com grande aposta na transição energética, que permitiu atingir uma taxa de 63% de energias renováveis;
– O fim dos défices orçamentais crónicos e a redução da dívida pública, que nos dá maior liberdade de escolha na aplicação das poupanças.
Tudo o que António Costa disse é verdade. Mas com os mesmos temas é possível fazer outro balanço. As pessoas vivem melhor e o ordenado mínimo subiu. Mas com os dinheiros que têm vindo da Europa, e que em grande parte entram em circulação, como era possível vivermos pior? Vive-se melhor, mas com dinheiro que não é criado cá dentro.
O desemprego diminuiu, mas está a aumentar há vários meses.
As exportações cresceram, mas muito à custa do turismo. E as grandes alterações na balança comercial deram-se no tempo de Passos Coelho, com o aumento significativo das exportações e a redução das importações.
A convergência com a UE é uma falácia: embora tenhamos crescido acima da média europeia, temos sido ultrapassados por países que estavam atrás de nós e com quem estamos em competição direta.
Vamos agora aos pontos que António Costa realçou.
– As qualificações. Esta geração é ‘a mais qualificada de sempre’, como Costa não se cansa de dizer, mas os jovens mais qualificados estão a emigrar. Não se fixam no país. E os últimos resultados do PISA são dececionantes.
– A transição energética. A melhoria é uma realidade, mas a grande mudança qualitativa, há que reconhecê-lo, deu-se no tempo de José Sócrates.
– As contas certas. Esta foi a grande alteração de ‘mentalidade’ verificada no PS, mas a eliminação do défice deu-se à custa do aumento da receita e não da queda da despesa. E a diminuição da dívida pública resultou do crescimento da economia e não da redução do seu valor bruto. Se a economia abrandar, como se prevê, a dívida subirá automaticamente.
O balanço não é, pois, tão cor-de-rosa como António Costa o pintou.
Por outro lado, o primeiro-ministro não falou da saúde e da habitação, que estão caóticas – e que são as áreas, a par da educação, onde o Estado tem maiores responsabilidades. Ora, o SNS está a rebentar pelas costuras, situação que se deve em boa parte à ex-ministra Marta Temido, que se revelou sem ofensa uma ‘louca varrida’. Diabolizando a iniciativa privada, acabando com as famosas PPP, foi a grande responsável por muitos problemas que hoje existem, acelerando a fuga de médicos do setor público para o privado. Os gastos com a saúde aumentaram brutalmente e os resultados não se veem. Durante a troika, Paulo Macedo fez mais com muito menos dinheiro.
Falando de ministros, houve outro ‘louco varrido’ nos governos de Costa: João Galamba. Pode ser muito competente mas arranjou complicações tremendas e acabou por estar muito ligado à queda do Governo.
O ministro da Educação, João Costa, foi outro desastre. Andou meses a negociar com os professores sem quaisquer resultados – e teve depois o desplante de aparecer na campanha de Pedro Nuno Santos a dizer que, se o PS continuar no Governo, resolverá rapidamente o problema!
Quanto ao próprio Pedro Nuno Santos, enquanto foi ministro só arranjou confusões, mostrando-se um autêntico troublemaker.
Costa Silva foi uma grande desilusão. Prometeu muito e acabou engolido pelas lutas internas no PS.
Sobre os outros, Medina esteve bem, com as ressalvas que deixámos; Carneiro igualmente bem na Administração Interna, em contraste com a sua antecessora Constança Urbano de Sousa que ficou tristemente ligada à tragédia de Pedrógão; Cravinho esteve ‘assim-assim’, com o seu nome a aparecer vezes de mais nas trapalhadas do Ministério da Defesa, que liderou antes de ir para os Estrangeiros; a atual ministra da Defesa não se viu, mesmo com a guerra na Europa; a ministra da Justiça ninguém deu por ela, apesar dos graves problemas no setor; Adão e Silva, que era uma esperança, não teve tempo para se mostrar; e Duarte Cordeiro, outro ‘prodígio’, só se viu quando o atingiram com tinta.
Mas a principal questão para mim não esteve na gestão corrente.
Aí, António Costa é muito hábil e foi tapando os buracos e contornando os problemas, com as exceções referidas.
Geriu politicamente bem a pandemia e não sofreu desgaste com os incêndios de Pedrógão nem com o roubo de Tancos.
O problema está no legado. O que deixa este Governo para o futuro? É que as gerações passam mas o país fica. As pessoas podem viver melhor – mas o país não está melhor. A produtividade caiu, o que mostra que a nossa estrutura produtiva não melhorou. E que grande obra se fez? Daqui a um ano a conjuntura é outra, a realidade mudou, e pergunta-se: afinal, onde está o resultado dos oito anos de António Costa?
O grande legado de António Costa acaba por ser a ‘geringonça’.
Ou seja, a arte de perder as eleições e conseguir ganhar o poder. Quanto ao resto, a comparação entre os oito anos de Costa e igual período de Cavaco Silva (os primeiros dois não contaram, pois o Governo era amplamente minoritário) é simplesmente arrasadora para o ainda primeiro-ministro.