Jacques Delors. Adeus, Senhor Europa

1925-2023 Um homem que deixa muitos legados

Presidiu à Comissão Europeia durante 10 anos, entre 1985 e 1995 – mais tempo do que qualquer outra pessoa no cargo – e diz-se que a Europa, tal como a conhecemos hoje, tem dedo de Jacques Delors. «Não farei promessas mal pensadas, não cairei no europessimismo», prometeu quando tomou posse. O legado que deixou – criação do mercado único, assinatura dos Acordos de Schengen, Ato Único Europeu, lançamento do Programa Erasmus, reforma da Política Agrícola Comum, início da construção da União Económica e Monetária que lançou as bases para o euro, entre outros – deram-lhe a alcunha de ‘Senhor Europa’. Morreu nesta quarta-feira, aos 98 anos, na casa onde vivia, em Paris, durante o sono.

Quem o conheceu garante que a Europa era o seu destino e o sindicalismo a sua vocação. Era um homem apaixonado pela construção europeia.

Quando chegou a Bruxelas, no ano em que completou 60 anos, Jacques Delors tinha deixado o cargo de três anos como ministro da Economia, das Finanças e depois do Orçamento no Governo francês de Mauroy, no qual deu início à ‘virada de rigor’.

Defendeu o mercado único e o espaço Schengen, defendeu também o Tratado de Maastricht, mas recusava sempre ver a Europa como um projeto apenas económico: «A Europa precisa de vontade política e de estrutura política», dizia. Foi sob a sua presidência que Espanha e Portugal aderiram à União Europeia, foi criado o Erasmus, a PAC foi reformada e a bandeira azul estrelada tornou-se o símbolo da Europa. E foi com muitos aplausos que deixou a comissão em 1994. Mas não ficou totalmente afastado. Em 1996, criou o Instituto Jacques Delors, com o objetivo de «produzir análises e propostas destinadas aos decisores e cidadãos europeus, bem como contribuir para debates relacionados com a União Europeia».

E continuou sempre a ser ouvido. Durante a pandemia da covid-19, denunciou a falta de solidariedade e, numa das suas últimas intervenções, apelou à criação de «uma alegria de viver europeia». Apesar de mais apagado nestes últimos anos devido à idade e ao afastamento da vida política, a sua voz foi muito ouvida na altura da pandemia, quando disse também temer que  a falta de solidariedade entre os Estados a colocasse «em perigo mortal».

 Jacques Delors era um nome referencial da esquerda francesa e deu cartas no país antes de chegar a Bruxelas, e depois também. Era favorito nas sondagens para a presidência francesa em 1995 e surpreendeu todos ao recusar candidatar-se. Uma renúncia que aconteceu em direto, na televisão, perante 13 milhões de pessoas. «Não me arrependo», chegou a dizer mais tarde. «Estava muito preocupado com a independência e sentia-me diferente das pessoas ao meu redor. A minha maneira de fazer política não era a mesma», justificou numa entrevista dada em 2021 ao Le Point.

Em 2022, no documentário Jacques Delors, jornada de um europeu, assumiu um certo arrependimento. «Talvez como Presidente pudesse ter avançado com algumas coisas que eram importantes para mim», disse.

A morte de Jacques Delors deixou muitos em choque. E as palavras de carinho e respeito não se fizeram esperar. Ursula von der Leyen, atual presidente da Comissão Europeia, defende que Delors foi «um visionário que tornou a nossa Europa mais forte» e cujo trabalho «moldou gerações inteiras de europeus». Von der Leyen escreveu ainda que «o trabalho da sua vida é uma União Europeia unida, dinâmica e próspera (…) Vamos honrar o seu legado renovando constantemente a nossa Europa».

Também Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, escreveu que os sucessos do antigo presidente da Comissão Europeia «foram numerosos», lembrando o «caminho que ele moldou para a criação de uma moeda comum, o euro».

Já o chefe da diplomacia da União Europeia, o espanhol Josep Borrell, lamentou que a Europa tenha perdido mais um dos seus «gigantes», defendendo que Jacques Delors «entra no Panteão dos grandes que a Europa produziu e cujo legado devemos assumir».

A presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola, lamentou  a morte do antigo presidente da Comissão Europeia, recordando-o como um «gigante» pela construção da União Europeia (UE), em prol de «uma Europa unida».

Em França,  o Presidente francês, Emmanuel Macron, também não esqueceu Delors, que tratou como «artesão incansável da nossa Europa». «O seu compromisso, o seu ideal e a sua integridade sempre nos inspirarão», acrescentou.

Por cá, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, disse que Delors é um «Homem letra grande» e que «encontrou sempre a força para ultrapassar as dificuldades, encontrar soluções, mantendo a Europa unida e alargada, um projeto que sempre foi de Paz, de progresso e de bem estar, de caminho em comum para a resolução dos problemas comuns».

E o primeiro-ministro, António Costa, lamentou a sua morte, considerando que a Europa perdeu «um dos maiores vultos da sua história contemporânea».

Por sua vez, Cavaco Silva defendeu que o Senhor Europa foi «um grande amigo de Portugal» que desempenhou um papel decisivo na integração do país na então Comunidade Económica Europeia, em 1986.

E o ex-presidente da Comissão Europeia Durão Barroso trata o francês como «o principal arquiteto da construção europeia», acrescentando que «era um homem que combinava uma grande inteligência, com uma grande determinação».

O Governo português decretou um dia de luto nacional pela morte de Jacques Delors.