Em dezembro deste ano, a taxa de inflação caiu para 1,4%. Um valor que tem vindo a baixar nos últimos meses. Mas, para as carteiras dos portugueses, as contas não serão exatamente estas. Quem o diz é o economista Eugénio Rosa que fala em manipulação de dados “pois propositadamente confundem a inflação anual com inflação homóloga de dezembro de 2023”, acrescentando que “os portugueses não sentem a descida no seu dia a dia, nomeadamente naquilo que tem maior peso no orçamento para a maioria das famílias, que são os preços dos produtos alimentares”.
Para provar essa teoria, o economista faz as contas no seu mais recente estudo. Com base em dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), a média dos preços dos produtos alimentares e bebidas não alcoólicas nos 12 meses de 2022 (inflação anual) foi superior à média de 2021 em 12,99% e a média dos preços nos 12 meses de 2023 foi superior à média de 2022 em 10,9% ”, explica.
E diz que “isto significa que ao aumento de 12,99% em 2022 foi acrescentado uma subida de mais 10,9% nos preços dos produtos alimentares e bebidas alcoólicas em 2023. Fazendo os cálculos apropriados (capitalização) obtém-se um aumento de 25,3% nos produtos alimentares e bebidas não alcoólicas em apenas dois anos no nosso país”.
Eugénio Rosa defende que “é um aumento brutal de preços”, acusando o Governo de querer ocultar estes dados aos portugueses. “Os portugueses têm razão quando, confrontados por jornalistas nos mercados, lhes perguntam se não têm sentido a baixa dos preços, respondem que não e que a vida está cada vez mais difícil, e impossível com o rendimento que têm”.
Pegando no estudo ‘Análise do Comportamento das despesas das famílias em Portugal’ de Marta Homem e Sousa e que está disponível no site do INE, o economista diz que é possível perceber que o peso da despesa com a alimentação no orçamento familiar varia muito de acordo com a classe de rendimento do agregado familiar.
E faz as suas próprias conclusões: Como mostram os dados do quadro “quanto maior é o rendimento das famílias menor é a percentagem que a despesa com a alimentação representa na total da despesa da família”. Assim, continua, “para os 10% das famílias mais pobres a despesa com a alimentação representa 46% da despesa mensal, enquanto para as 10% famílias com rendimentos mais elevados a despesa com alimentação representa apenas 12% da despesa total”.
Face a estes dados, um aumento de preços de 25,3% para quem gasta 46% do seu orçamental com alimentação “tem um impacto muito maior do quem gasta apenas 12% com alimentação”. Assim, Eugénio Rosa diz ser por esta razão “que este aumento brutal dos preços da alimentação mesmo em 2023 tem um impacto enorme nas famílias de baixos rendimentos”.
O economista explica ainda que na inflação oficial do INE, que compara a média dos preços num ano com a media do ano anterior, a despesa com ‘produtos alimentares e bebidas não alcoólicas’ representa apenas 20% da despesa mensal das famílias, “o que distorce o valor oficial da inflação anual para um grande número de famílias”.
Aumento das pensões inferior à subida da inflação
No seu estudo, Eugénio Rosa atira que os dados do Governo mostram “de uma forma clara, sintética e objetiva na linguagem fria dos números, o que se verificou em 2022 e 2023 a nível de pensões, remunerações e aumento anual de preços”.
Voltando então aos dados do INE para defender a sua teoria, o economista recorda que a inflação anual foi de 7,8% em 2022 e de 4,3% em 2023 o que dá, para o conjunto dos dois anos, um aumento geral de preços de 12,4%. “Mas este valor está subestimado pelo menos por duas razões”, garante. A primeira é porque “considera que a despesa com ‘produtos alimentares e bebidas não alcoólicas’ representa apenas 20% da despesa total mensal das famílias quando, para maioria delas, é uma percentagem muito maior como provamos”.
E a segunda prende-se com o “aumento brutal das taxas de juro do crédito à habitação, que está a sufocar centenas de milhares de famílias, não é considerado no cálculo da inflação pelo INE, porque este considera essa despesa como um investimento”. E recorda que, entre dezembro de 2021 e novembro de 2023, os juros do crédito à habitação aumentaram 510% (6,1 vezes mais).
“Mesmo subestimada pelo INE ela atingiu nos dois anos (2022+2023) 12,4% o que determinou que o poder de compra dos pensionistas nestes dois anos tenha diminuído -4%, os trabalhadores da Administração Pública tenham perdido 3,9% do seu poder de compra, e que o poder de compra dos trabalhadores do setor privado tenha estagnado”, conclui.
Olhando ainda para os rendimentos, o economista diz que em 2022, um português com um rendimento mensal superior a 507 euros “já não era considera pobre pelo INE, mesmo assim 17% da população (1,78 milhões de portugueses) estavam no limiar da pobreza”.
Mas diz que entre 2021 e 2022, todos os indicadores de desigualdade pioraram. Em 2022 o rendimento dos 20% mais ricos foi 5,6 vezes superior ao rendimento dos 20% mais pobres quando em 2021 era 5,1 vezes, e o rendimento dos 10% mais ricos foi superior 9,7 vezes ao dos 10% mais pobres quando, em 2021, era 8,5 vezes mais.
E acrescenta que “o coeficiente de Geni, que mede também as desigualdades, aumentou de 32% para 33,7%. Em 2022, metade dos portugueses tinha um rendimento mensal igual ou inferior a 845€ brutos por mês”.