No início do século, e a propósito das revoluções que estalavam nos países que tinham sido satélites da União Soviética, o jornalista John Laughland escrevia que «é melhor ser inimigo dos americanos do que seu inimigo. Se forem inimigos, tentarão comprar-vos mas se forem seus amigos irão certamente vender-vos». Tudo o que se passou no Afeganistão ao longo das duas últimas décadas, no Iraque e na Síria com os curdos, confirma essa profética teoria. Agora, chegou o tempo da Ucrânia, como ficou claro depois da malograda viagem de Zelensky a Washington, onde não conseguiu qualquer garantia de apoio.
Naturalmente, a invasão russa não pode ser justificada por isso, até porque se insere na política imperial que sobreviveu à queda dos czares e da URSS e que Putin fez renascer, mas é indesmentível que os EUA incitaram os ucranianos a aderirem à NATO, e forneceram um pretexto a Vladimir Putin. Com o bloqueio por parte dos republicanos, que se transformará numa plena traição se Trump vencer as eleições, a Ucrânia já não pode contar com o dinheiro, as armas e a tecnologia dos EUA. Aliás, os últimos acontecimentos na frente de batalha revelam que os russos sabem que os ucranianos foram abandonados à sua sorte; e sabem que podem infligir ataques a alvos civis, porque se o Ocidente o tolera em Gaza, dificilmente os pode censurar por bombardearem alvos semelhantes em Kiev ou Lviv. Resta à Ucrânia, para além do apoio menos entusiástico que há dois anos dos britânicos, a União Europeia. E, inversamente, a União Europeia devia perceber que só lhe resta a Ucrânia porque, se Kiev cair, Putin não ficará por aí. Neste cenário, que se definirá nos próximos meses, talvez conviesse a todos, e à decência, que os líderes europeus gastassem menos tempo a discutir a adesão de Kiev à União Europeia. A eventual adesão é, neste momento e nas atuais circunstâncias, um exercício de profunda hipocrisia porque se a Ucrânia cair, e for derrotada militarmente o assunto é irrelevante. O que se joga, nos próximos meses, não é a questão da livre circulação, a causa dos cereais, ou o custo gigantesco da eventual reconstrução da Ucrânia, cujas infraestruturas estão destruídas e em colapso. O que resta saber é se a Europa tem capacidade para apoiar um país que está em guerra porque se quer juntar à sua família, ou se não está disposto a pagar esse preço. E talvez seja tempo de os alemães, que nunca tiveram grande apreço pelos povos que os separam dos russos, admitirem que o risco de uma derrota ucraniana irá fazer perigar o Báltico. E, quando isso suceder, quando o castelo de cartas se desmoronar, não faltará vontade aos russos de voltarem a desfilar em Unter den Linden. Jacques Delors tinha defendia que a Europa precisava «de ser uma união de corações e mentes, não apenas uma união de economias». O apoio à Ucrânia pode ser, para nós europeus, a última oportunidade de congregarmos os corações e as mentes. Mesmo sabendo que há países como a Hungria que, por culpa nossa, aderiram por causas meramente económicas, não podemos permitir que exerçam chantagem sobre o todo europeu. Esta é também a ocasião, e uma boa oportunidade, para deixarmos se ser tão dependentes dos humores do tio Sam, a quem agradeceremos sempre o passado mas de quem, sabemos bem, não podemos depender no futuro que já nos bateu à porta.