A Câmara Municipal de Montalegre é alvo de uma denúncia ao Ministério Público (MP) e ao Tribunal de Contas (TdC) por causa da adjudicação por ajuste direto do transporte escolar no âmbito da concessão do transporte regular de passageiros na Comunidade Intermunicipal do Alto Tâmega e Barroso (CIMAT).
Segundo o documento a que o Nascer do SOL teve acesso, o que suscita dúvidas aos denunciantes é a concessão, cujo caderno de encargos não está a ser cumprido, não só em Montalegre, mas também nos outros cinco municípios – Boticas, Ribeira de Pena, Valpaços, Vila Pouca de Aguiar e Chaves – da CIMAT, nos quais se tem verificado a incapacidade da Flaviamobil, a nova concessionária, em responder às especificidades do concurso que ganhou.
A decisão de fazer a denúncia partiu de vários indícios e tem como objetivo a reposição da legalidade e a transparência. «São indícios que queremos que o Ministério Público investigue. A denúncia é com base no valor e no procedimento», explica o diretor-geral da AVT. Desde logo, questiona-se o valor do contrato, «substancialmente elevado face ao número de estudantes que existem no concelho», como refere Miguel Nogueira, e a «questão da adjudicação dos vigilantes».
O transporte escolar está enquadrado legalmente e tem crucial importância nas concessões de transportes já que os alunos são parte expressiva da procura e da receita.
De acordo com informação disponibilizada pela CIMAT, o valor total dos passes de estudantes pagos pelos seis municípios atingiu para um ano letivo mais de 1,2 milhões de euros.
A 4 de dezembro de 2023, a Câmara de Montalegre, por ajuste direto, atribuiu à empresa Flaviamobil o «serviço de passes e vigilância» para o transporte escolar por cerca de 695 mil euros. «Outra coisa que nos espantou é a retroatividade», relata o diretor-geral da AVT.
De acordo com a denúncia, o contrato foi celebrado com «efeitos retroativos, pelo período de 12 meses, mas com 10 meses efetivos de serviços » e o município, «sob a referida veste de contratação de «aquisição de passes e vigilância para transporte escolar», colocou em execução simultânea no serviço de transporte rodoviário de passageiros o transporte escolar de crianças com vigilância, sem que tenha celebrado, mediante procedimento concursal, o contrato de prestação de serviços de transporte de alunos do pré-escolar dos 3 até aos 10 anos de acordo com a legislação especial aplicável».
Mais, mediante o procedimento de ajuste direto e sem que a lei o permita, o Município de Montalegre assumiu perante a empresa contratada e através daquele contrato o pagamento de dois preços – o do passe escolar e o do custo do vigilante. Segundo o texto do contrato, a autarquia de Montalegre acordou, para uma prestação de serviços que abrange apenas um dos territórios que constitui a CIMAT, um encargo cujo valor representa cerca de 56% da receita total de todos os municípios que integram a CIMAT para um período de nove meses.
Assim, escreve-se na denúncia, «é incompreensível» como é que para uma área geográfica inferior à da CIMAT e que abrange uma população estudantil inferior à da CIMAT, o Montalegre admite suportar uma despesa que representa 56% da despesa total assumida pela CIMAT.
«Há indícios, assim, de uma prática lesiva do interesse público por parte do Município de Montalegre», argumenta a denúncia da AVT, enviada em paralelo ao TdC por também abordar o concurso do transporte público rodoviário de passageiros na CIMAT, adjudicado à Flaviamobil.
A concessão do transporte regular de passageiros na CIMAT tem várias deficiências, o que na opinião de Miguel Nogueira constitui um «atentado ao caderno de encargos».
A operação por parte da Flaviamobil começou a 4 de dezembro em Montalegre e em Chaves a 1 de janeiro. No arranque da operação em Montalegre foram verificadas uma série de inconformidades, como por exemplo a ausência de sistema de bilhética a bordo, incumprimento da obrigatoriedade de informar sobre percursos e horários intermédios ou ausência de posto de venda e informação ao público.
Situação semelhante foi verificada em Chaves no início de janeiro: carreiras que não existiram, deixando pessoas sem possibilidade de deslocação; autocarros avariados; sistemas de bilhética sem funcionar ou mesmo sem existir; incumprimento ou mesmo ausência de horários; novo “terminal” rodoviário de Chaves sem qualquer infraestrutura; jovens à espera sem saber qual, e quando haveria autocarro para os levar às escolas.
Para além disso verificaram-se diversas ilegalidades na própria operação com os autocarros. A informação sobre o destino e a linha operada estava ausente; em situações que essa informação existia, estava errada; painel de informação com o nome da empresa dona da operadora e não da operadora; relatos de passageiros que fizeram as viagens sem pagar ou sem chegar ao destino final.
De acordo com aquele responsável, são várias as cláusulas do caderno de encargos que estão a ser desrespeitadas e a gestão de projeto, dentro da Comunidade Intermunicipal, foi incapaz de fazê-lo cumprir. «Que motivos pode haver, não sei. Não me compete a mim dizer. Competirá às autoridades competentes avaliar o incumprimento ou não cumprimento desses encargos», considera o diretor-geral da AVT, revelando que, no «caso de Montalegre, como estamos a falar de um caso que desvirtualiza a concorrência, estamos a pensar fazer também uma denúncia à Autoridade da Concorrência».
Com esta denúncia, a AVT, nas palavras de Miguel Nogueira, espera «a reposição da legalidade e sobretudo a transparência nos processos, que não houve nenhuma, nem da parte da CIMAT nem da parte do novo operador».
O responsável considera que «as leis têm de ser cumpridas, se não é o vale tudo» e garante que, se a Flaviamobil «tivesse feito devidamente as coisas, nós éramos os primeiros a dizer sim senhora (…). Mas não é o que está a acontecer. E daí que nos incomoda muito essa questão».